Teimosos e teimosões

Estranha a forma como se escreve a história, as magníficas e poéticas analogias, polaridades e similaridades entre eventos. Dá vontade de chorar.

Provavelmente o pior carro já fabricado no Brasil foi o Renault Dauphine. Não que o carrinho fosse tão ruim. Simplesmente o veículo construído no Brasil pela Willys-Overland não era suficientemente robusto para as difíceis condições de tráfego da nossa terra. Assim, apesar de ter duas grandes vantagens sobre o Fusca, ser equipado com quatro portas e gastar menos gasolina, o Dauphine perdeu feio na guerra entre os carros pequenos, saindo de linha em 1968 já com nome diferente. O carro simplesmente tinha uma tendência a se desmanchar na Terra Brasilis, mesmo com poucos anos de uso. A Willys até que tentou. Primeiro, elevou um pouquinho a anêmica potência do motor de 850 cc, trocou o nome para Gordini, ex-equipe de Formula 1, e na época um speedshop francês que preparava modelos Renault. Trouxe o Interlagos para o Brasil, na realidade, um Alpine, usado extensivamente em publicidade que propalava os feitos esportivos da família Gordini. Depois, um Gordini rodou diversos dias em Interlagos, "batendo" um sem número de recordes internacionais e centenas de recordes brasileiros (na verdade, não existentes, ou seja, estabeleceu os recordes, não os superou). Entre os pilotos, diversos dos nossos futuros representantes na F1. E teve também o Teimoso.

No outro lado da moeda, o carro mais luxuoso para a época fabricado no Brasil até hoje foi a bem sucedida família Galaxie, produzida pela Ford de 1967 a 1983. A Ford não fez o mesmo erro da Willys, e antes de colocar o gigantesco modelo nas ruas (media 2 m de largura por cinco e pouco de comprimento), testou-o exaustivamente, adaptando plenamente o já robusto carro às desafiantes condições de rodagem brasileiras. Quando foi lançado com muita pompa, foi um sucesso, apesar do preço estratosfericamente alto. O Galaxie rodava macio, tinha muito espaço, e o acabamento, do bom e do melhor. No primeiro ano, vendeu quase 10.000 unidades, depois, vendia umas 5.000 unidades anuais na média. Foi o ponto de partida do LTD, do Landau. E teve também o Teimosão.

O Teimoso foi tão necessário quanto desnecessário foi o Teimosão. Na tentativa de expandir o mercado do Gordini, e aproveitando os baixos impostos cobrados pelo governo e financiamento da Caixa, a Willys lançou uma versão mais barata e simples do já barato e simples Gordini, sem cromados, com materiais mais baratos. Na realidade, dava a impressão de que o Gordini já vinha detonado de fábrica.

O Teimoso nem tinha laternas traseiras. Sem contar a terrível cor de fezes.

O caso do Teimosão é um pouco inexplicável, mas em síntese, o carro foi lançado para combater o Dodge Dart em preço. A Ford, que diga-se de passagem havia absorvido a Willys, lançou uma versão mais espartana do Galaxie, com pouquíssimos cromados, menos luxo, e preço substancialmente mais baixo, porém ainda alto. Logo os homens de marketing da Ford viram que fizeram um grande erro com o Teimosão, pois quem comprava um Galaxie queria ostentar mesmo e tinha grana. O carro encontrou pouquíssimo mercado, e acabou fora de linha. Poucos são os Teimosões no mercado de carros históricos.

O fim de alguns Teimosos e Teimosões foi similar. No Rio de Janeiro, realizavam-se campeonatos de autobol, futebol jogado por automóveis. Uma bola imensa era colocada em campo, e dois times de Gordinis (e Teimosos, mais baratos ainda) procuravam marcar gols. Assim como os ossos do Paulo Henrique Ganso, as latarias dos carros acabavam amassadas, e depois de algumas pelejas os carros não serviam mais para nada. Muitos pequeninos Teimosos se foram deste mundo em verdadeiras batalhas campais em improvisados Fla-Flus automotivos.

Já alguns Teimosões também terminaram em competições de autobol, mas outros em uma modalidade mais terrível ainda para carros que poucos anos antes foram objetos de desejo de uma geração inteira, Darts, Landaus, Opalas, Mavecos e Teimosões - o Demolition Car. Nesse "esporte", diversos carrões depenados entravam num terreiro, com o objetivo de destruir uns aos outros. Ganhava quem ficasse de pé - ou de rodas. Assim, um sem número de carros grandes brasileiros terminou a vida, com a pena de morte, condenados por ser contumazes beberrões.

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