Finalmente aconteceu

Uma dessas coisas que você sabe que vai acontecer, mais cedo, mais tarde, finalmente aconteceu.

Estou nos EUA há 38 anos. Devido a distância, logo acostumei a receber (e mandar) cartões de Natal para amigos e parentes. Quando me estabeleci comercialmente, passei a mandar cartões também para os principais clientes. Além de cartões, para alguns mandava presentes.

O presente corporativo avacalhou há algum tempo, e já escrevi sobre o assunto (texto a seguir). Um cliente de Nova York me mandava religiosamente uma garrafa de whiskey no Natal. Hoje que lucra pelo menos umas dez vezes mais, necas de pitibiriba. Dinheiro não falta, falta vontade.

Um amigo disse que um fornecedor enviou, neste ano, uma caixa de chocolates para a empresa na qual trabalha. E também mandou uma conta pelo frete...

Deixemos os presentes de lado. Voltemos aos cartões.

Em 1976 não existia internet, e de fato, telefonia era cara. Mesmo interurbanos dentro dos EUA eram caros. Eventualmente os preços das telecomunicações foram caindo, e eventualmente veio a Internet.

Há muito tempo que não recebo cartões de Natal de amigos. Clientes e parceiros comerciais continuaram, porém estes foram minguando. Neste ano, finalmente, não recebi um único cartão de Natal.

Confesso que sou parte do problema, e não da solução. Eu também parei com os presentes corporativos há dez anos atrás, e com os cartões há mais de cinco.

Sim, agora as pessoas têm o email, e enviam felicitações por esse meio, sem custo.

Rá!

Não é bem assim. Na realidade, não passamos de um meio para outro. Mesmo por email, as mensagens grátis de Natal que recebi neste ano foram, em grande parte, de empresas desconhecidas. De amigo pessoal, uma. De empresas ou entidades parceiras, uma.

Ora, tem o Facebook.

Não se apresse em conclusões.

Mesmo no Facebook, ou outras redes sociais, as mensagens de Natal se resumem a postagens nos walls. Quase ninguém separa alguns minutos ou horas para enviar mensagens personalizadas, diretas, que seja para meia dúzia de pessoas (nos últimos anos, mandava centenas, neste ano, pela mais pura falta de tempo, não pude fazer esse mimo, realmente trabalhei até 16 horas do dia 24, e depois tive que ajudar minha esposa a aprontar a casa para receber convidados). Recebi uma meia dúzia de mensagens de Natal personalizadas, as quais agradeço de coração.

A realidade é que nos tornamos cada vez mais egoístas, narcisistas e egocêntricos. Na equação das redes sociais, queremos curtidas e comentários nas nossas fotenhas e besteirois, como se fossemos divas da hora. Os dispostos a retribuir, interagir ou participar são poucos. Para compensar, abraçamos remotas causas, fingindo um altruísmo de atacado que se limita a postar cenas chocantes em redes sociais.

Um Feliz Natal atrasado, e um Próspero Ano Novo. Do coração. Em atacado.

UM PRESENTINHO - MEU TEXTO SOBRE A LARANJA DIGITAL, PUBLICADO HÁ ALGUNS ANOS ATRÁS

Às vezes gosto de começar meus textos com uma confissão. Minha confissão do dia é que não enviei um único cartão de Natal neste ano.

Só recebi uns três, um deles com um cartãozinho contendo um desenho de um pato, que compensou a falta quantitativa de cartões.

Tenho um pouco de saudades da época em que as pessoas demonstravam às outras que valiam pelo menos o preço de um selo e de um cartão. Convenhamos, num ano inteiro é uma barganha.

De fato, quando o orkut, facebook, myspace e companhia limitada viraram moda, quase todo mundo enviava mensagens de Natal e Ano Novo. Hoje em dia, raras são até as mensagens individuais dos sites de relacionamento. Quando muito você recebe um recado grupal, se tiver sorte de estar na lista.

Lembro-me de uma gráfica, na qual imprimia a Brazilian Yellow Pages, que me enviava não um cartão, mas sim uma caixa de deliciosas e rechonchudas laranjas todo ano. Nem cristãos eles eram, e sim, chineses. Tinha um cliente, um multibilionário banco, que me enviava uma garrafa de Johnny Walker. Um outro cliente, uma empresa de traduções, me mandava um presente religiosamente, num ano um inesquecível sortimento de geleias.

Não é preciso dizer que presentes corporativos também caíram no desuso. Notem bem, nos últimos anos fiz um volume de negócios muitas vezes superior ao que fazia com a gráfica dos chineses com diversas empresas. Dessas nem cartão recebi. Imagino que para merecer um presentinho hoje em dia é necessário fazer milhões de dólares de negócios.

Ok, sei que estamos em crise. Mas o problema não é de hoje, precede a crise.

A verdade é que estamos ficando cada vez mais egoístas. Incluo-me nesse rol.

A tecnologia matou diversas coisas gostosas, além dos cartões de boas festas. Por exemplo, comprar um disco era uma aventura. Você literalmente ia à loja para ver as novidades, às vezes pedia para ouvir o disco e se gostasse, levava. Quando apareceram os CDs a coisa já ficou meio sem graça. Um LP era um evento, cheio de encartes, fotos e desenhos grandes. O CD, com letras minúsculas, já tirou boa parte do prazer de consumir música. Hoje, compra-se arquivos de mp3 na amazon.com ou qualquer outra e-store do tipo, e as próprias lojas de CDs estão desaparecendo. Está acabando a graça de consumir música, pura e simplesmente.

Agora querem fazer a mesma coisa com os livros. Se for pelo mesmo caminho da música, que se cuidem os escritores.

E com isso se vão duas excelentes opções de presentes.

Resta-me um consolo. Acho impossível criar uma laranja digital. 

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