Como falar de Ayrton sem falar de Ayrton

Que Ayrton Senna foi um piloto sui generis, não há dúvida. Esperar que outro piloto da mesma estatura apareça no Brasil é para lá de otimista.

Ainda por cima, contamos com duas outras feras, Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet, que juntos ganharam cinco campeonatos.

A primeira gritante diferença entre Ayrton e os nossos dois outros grandes pilotos se dá na estrutura das suas respectivas carreiras.

Antes de embarcar para a Europa, Emerson já tinha quase ganho as Mil Milhas de 1966, com um DKW Malzoni, ganho o Brasileiro de Fórmula Vê de 1967, disputado e ou ganho corridas com Renault 1093, Renault Rabo Quente, Fitti-Porsche, VW-Fittipaldi, Fitti-Vê, Alfa Romeo Zagato, Karmann-Ghia, e com certeza algum outro carro que esqueci. Já tinha corrido em autódromos, corridas de rua, carros com motor dianteiro e traseiro, monopostos, carros esporte, carros de turismo, provas curtas e de longa duração, além de ter bastante experiência em kart.

Quanto a Nelson Piquet já tinha corrido com Opala e VW, inclusive nos 1000 km de Brasilia, e com Protótipo Camber, porém, grande parte da sua experiência foi obtida nos carros da Fórmula Super-Vê (posteriormente rebatizada Fórmula VW 1600), chamada com uma certa dose de hipérbole de "Formula 1 Brasileira". Embora os carros estivessem longe de ser F-1, a qualidade da concorrência era das melhores - Chico Lameirão, Alfredo Guarana, J.P. Chateaubriand, Marcos Troncon, Mauricio Chulam, Marivaldo Fernandes, Eduardo Celidonio, Jan Balder, Tite Catapani, Teleco, Norman Casari, Julio Caio de Azevedo Marques, Ingo Hoffmann, Newton Pereira, Rafaelle Rosito, Francisco Feoli, Benjamin Rangel, Luis Moura Brito, Pedro Muffato, Antonio Carlos Avallone, Ricardo Mansur, Ricardo e Roberto DI Loreto, Fernando Jorge, Milton Amaral, e muitas outras feras, muitos deles com experiência internacional. Piquet concorreu e superou estes e diversos outros pilotos antes de embarcar para a Inglaterra e fazer duas temporadas de F3.

Já Ayrton só foi correr de carro no Brasil na sua estreia na F-1, o GP do Brasil de 1984! Sim, Ayrton não era piloto de automóveis no Brasil, foi se tornar piloto de carros na Europa. Depois de três temporadas, Ayrton chegou à F-1.
Speedgear Racing Products

No Brasil, Ayrton era piloto de Kart. Convenhamos, já tinha bastante experiência na categoria, chegando a vice-campeão mundial. Nos carros, já na Europa, Ayrton papou tudo.
Recentemente, depois de duas temporadas, foi declarado o fim da Formula Future no Brasil, categoria fundada por Felipe Massa e seu pai, com o intuito de revelar futuros Sennas. Ocorre que os futuros Sennas não querem usar o caminho usado por Piquet e Emerson, e desejam sair do kart diretamente para o automobilismo europeu (ou americano), como Ayrton. (O ideal seria correr de kart da Europa, mas isso é outra história).

Além de ser dotado de excepcionais atributos físicos (reflexos, visão) e mentais (uma capacidade de memorizar e armazenar dados fora do comum, que chegava a assustar os engenheiros), Senna tinha duas outras virtudes que o separavam da grande maioria dos pilotos. Primeiro, alta capacidade de concentração e, segundo, superioridade psicológica fora do comum.

O que leva um número razoável de jovens pilotos brasileiros, ainda "teenagers", achar que é fácil pegar as malas, e se iniciar no automobilismo lá na Inglaterra, Alemanha ou Itália, sem nunca ter vivido no exterior, ou longe da família? Por que os jogadores de futebol fazem assim?

Primeiramente, nunca se deve comparar um jogador de futebol, a um piloto. O futebol é um esporte de equipe, os jogadores saem do Brasil com farto respaldo financeiro e são paparicados por seus clubes e fãs (pelo menos no início, muitos depois são deixados ao léu). O jovem automobilista passa sufocos dentro e fora da pista, e pouquíssimos são paparicados em começo de carreira. Ainda assim, jogadores como André, o centroavante santista de 19 anos que fez furor no primeiro semestre da temporada de 2010, não duram muito tempo lá fora e voltam correndo para o Brasil depois de dar algumas cabeçadas. E continua a dar cabeçadas até hoje.

Usar a palavra boicote contra a Formula Future é um pouco pesado. Usemos a palavra desdém, desdenharam da coisa. Uma boa coisa.

Infelizmente, provavelmente não será criada outra categoria do tipo no Brasil, pois se os Massa desistiram, quem vai se prontificar? E francamente, o que vejo é uma legião de Andrés que se acham Ayrton, voltando de fracassadas temporadas europeias depois de gastar uma grana preta dos seus familiares.

Ayrton só teve um.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O taxista de São Paulo, e muito disse não disse

RESULTADOS DE CORRIDAS BRASILEIRAS REMOVIDOS DO BLOG

DO CÉU AO INFERNO EM DUAS SEMANAS - A STOCK-CAR EM 1979