Há quarenta anos atrás, o automobilismo brasileiro amadurecia


O conceito de mudança de paradigma é, obviamente, bastante subjetivo. Pode, entretanto, basear-se em fortes evidências.

A meu ver, foi em 1972 que o automobilismo brasileiro amadureceu. Alguns podem dizer que nunca amadureceu, outros que o amadurecimento ocorreu em 1971, e outros, que ocorreu mais tarde, mesmo em 1973, ou até décadas depois. Muitos dirão que já apodreceu de vez.

É bem verdade que, sob diversas óticas, o nosso automobilismo ainda sofria de diversas deficiências, por exemplo, falta de corridas, falta de autódromos, falta de peças para preparar os carros adequadamente, calendários utópicos, falta de promoção, bagunça, cartolas incompetentes. Que dizer, hoje, com diversos autódromos razoáveis, facilidade de importação de componentes e carros, veículos de categoria internacional, muito patrocínio, e transmissões por TV de muitas categorias, o esporte ainda sofre de muitas deficiências.
Portanto, eis as razões pelas quais acho que nosso automobilismo certamente amadureceu há quarenta anos atrás.

1) Sem dúvida, o fato mais importante foi o primeiro título de Emerson Fittipaldi na F1, o primeiro de oito títulos de brasileiros na categoria. Além do título, Emerson provou que não era mais um de uma crescente lista de pilotos que só ganharia um GP, e se consolidou de vez como astro. Na própria F1, mais dois brasileiros passaram a participar do Mundial, Pace e Wilsinho, o primeiro tornando-se piloto graduado da F1 - na época, uma grande honraria.

2) No plano internacional, Emerson não só ganhou cinco GPs, como oito outras provas internacionais, tornando-se o maior vencedor de provas internacionais daquele ano. Além dos GPs, Emerson ganhou quatro corridas de F2, três de F1 não válidas pelo campeonato e uma de Formula Libre. Três outros brasileiros participaram da F2 (Pace, Wilsinho e Lian Duarte), além de participações no Mundial de Marcas (Pace foi segundo na Áustria e terceiro em Watkins Glen) e na Can-Am (Pace).

3) No Brasil, foi realizado o primeiro GP do Brasil de F1, não válido para o campeonato. Com isso, culminava o objetivo de um processo que, alguns diriam, se iniciara em 1967, com o fechamento de Interlagos para reforma, outros, em 1969, quando já se falava em realizar torneios internacionais no Brasil, antes mesmo de Interlagos voltar a funcionar, ou mesmo, 1970, com a realização do Torneio BUA de Formula Ford. Além disso, Interlagos também foi palco do último Torneio de F2, com a participação de futuros e ex-campeôes de F1, e de uma edição internacional dos 500 km de Interlagos, para protótipos como Porsche 908-3, Alfa P33 e Ferrari 512. A Copa Brasil foi fraca, alguns diriam, um fracasso, mas ainda assim, o público brasileiro pode ver, durante um curto tempo, carros épicos como o Porsche 917, o McLaren e o Porsche 917-10 nas pistas

4) Por bem, por mal, os campeonatos nacionais iniciados em 1971 no Brasil continuaram a ser realizados, além da implementação do primeiro campeonato para protótipos nacionais, a Divisão 4. Mais importante, entretanto, foi a troca de ênfase histórica em provas de longa duração, para curtas provas em baterias, mais alinhadas com a realidade do automobilismo internacional. Estas permitiam, em tese, corridas com carros mais rápidos. Em 1971, tanto o campeonato de carros esporte, como o de Divisão 3, foram realizados com provas de longa duração, e muitos dos carros que terminavam as corridas não eras os mais velozes. Além disso, os campeonatos brasileiros contaram com corridas em Interlagos, Tarumã e Curitiba. O automobilismo regional gaúcho continuava de vento em popa, e além disso, foram realizadas provas regionais em Cascavel (pista de terra), Rio de Janeiro, Brasília, Salvador e Fortaleza. Foi realizada também a última prova em volta do Mineirão, em Belo Horizonte

5) Após a F1 em Interlagos, o autódromo foi fechado para algumas reformas finais para a realização do primeiro GP do Brasil válido para o campeonato mundial, confirmado para 1973. Assim, Interlagos finalmente se tornava um autódromo de categoria internacional, embora ainda longe de ser um dos melhores do mundo.

6) O patrocínio comercial se consolidava no Brasil. Muitos novos patrocinadores foram captados por pilotos, e anúncios de diversos patrocinadores, veiculados em diversas revistas, apresentavam os carros patrocinados com orgulho.

7) O Campeonato de F-Ford recebia patrocínio da Texaco, demonstrando o interesse de multinacionais na promoção do automobilismo brasileiro. O automobilismo de fato sobrevivia razoavelmente sem apoio de fábricas.

8) Alguns diriam que foi uma regressão, em vez de evolução. Porém, de uma forma ou outra, a proibição de importação de carros de corrida, que praticamente decretava o final da D-6, forçava de vez a produção de carros de corrida no Brasil, muitos dos quais foram fabricados pela Avallone e Heve naquele ano. Na Formula Ford, a Heve lançava seu primeiro modelo para competir contra os ubíquos Bino. A D6 tentaria sobreviver mais um ano no país, sem conseguir.

9) A construção dos autódromos de Goiânia e Brasília, que parecia até então uma abstração, dava sinais de que se concretizaria num futuro próximo (de fato, as inaugurações ocorreram em 1974). O circuito mixto do autódromo de Curitiba também fora inaugurado naquele ano.

10) Despontava uma nova geração no Brasil. De fato, muitos pilotos viriam a estrear ou consolidar sua posição no esporte naquele ano. Nomes importantes como Nelson Piquet, Alfredo Guarana Menezes, Teleco, Ingo Hoffmann, Alex Dias Ribeiro, Leonel Friedrich.

11) A mídia de modo geral passou a cobrir o automobilismo com uma volúpia antes inexistente. Isto beneficiou tanto as categorias internacionais, como as nacionais, que durante um curto tempo fizeram parte do noticiário esportivo com força. Acreditem, certa vez os jornais diários já cobriram o automobilismo doméstico!

Ao se tornar o país do campeão mundial, o automobilismo passava a ser visto com melhores olhos pelo governo militar, ávido em provar que o Brasil era "o país que vai para frente", país da modernidade. Isto de certa forma ajudou o automobilismo durante um curto período, embora em 1976 os militares tenham proibido as corridas (proibição logo revogada, e restrita às corridas de longa duração).

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo

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