Pagando a língua


Hoje em dia, há GPs em países que provavelmente nunca terão um piloto de F1. Já nos anos 70, os poucos novos GPs que apareceram no calendário geralmente ocorreram em países com novos ídolos do automobilismo. Fazia muito sentido isso, pois na época a F1 ainda estava longe de ser o fenômeno televisivo que é hoje, e as corridas dependiam muito da plateia local para fazer sentido econômico.

O GP da Suécia foi um destes GPs. Joakim Bonnier foi o pioneiro, estreando nos anos 50 e ganhando um GP em 1959. Depois dele, apareceu uma nova geração no final dos anos 60, início dos anos 70, formada no campeonato sueco de F3. Os três que vingaram foram Ronnie Peterson, Reine Wissel e Gunnar Nilsson. Mais tarde Stefan Johansson se firmou na F1. Anders Oloffson, Torsten Palm, Connie Anderson e Eje Elgh, quatro com bastante potencial, nunca tiveram chances adequadas na grande categoria.

O GP escandinavo foi realizado de 1973 a 1978. Estava no calendário de 1979, porém foi cancelado. Uma dessas coisas inexplicáveis, os dois suecos da hora, Peterson e Nilsson, morreram em 1978. Peterson vítima de um acidente, Nilsson, de câncer. Assim, restava pouca alternativa para os organizadores, senão cancelar a corrida.

A primeira edição do GP da Suécia teve um público razoável, considerando-se que eventos públicos na Suécia geralmente tinham público baixo. Futuras edições chegaram a ter somente 20.000 pessoas nas arquibancadas, embora o GP de 1978 tenha sido transmitido via satélite para 20 países. Quem diria, só 20 países!

Mudando de assunto, é curiosa a mudança de comportamento de pilotos. Quando entram na F1, geralmente são humildes, honram os pilotos mais experientes, ficam calados. Um texto sobre a futura temporada de F1 de 1979 descreve o quase estreante Nelson Piquet como "quieto", imaginem...

Pois bem, basta passar mais de um ano na categoria, muitos pilotos pôem a manguinha de fora. Quando obtém sucesso, então, a humildade logo dá lugar a uma arrogância intragável.
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Esse era o caso de Niki Lauda em 1977. O humilde austríaco que levava muitos segundos de Peterson na March em 1972, chamou a atenção de todos na BRM em 1973, ganhou seus primeiros GPs na Ferrari em 1974, em 75 foi campeão. Em 76 teve seu terrível acidente, que quase lhe leva a vida, mas não lhe trouxe a humildade de volta.

Pelo contrário, Lauda foi um poço de antipatia na temporada de 1977. Brigou com a Ferrari a maior parte do tempo, e com algum sacrifício e talento (e boa dose de sorte, pois os motores de Mario Andretti não ajudaram a Lotus), acabou campeão.

Virava e mexia, Niki fazia declarações antipáticas à imprensa. No meio do ano, disse que o GP da Suécia deveria ser sumariamente cancelado (diga-se de passagem, disputou o GP com má vontade), alegando que não fazia sentido mantê-lo no calendário. Depois de deixar a Ferrari, antes do final do campeonato, saiu à torto e à direito dizendo que a Ferrari lhe devia muito, que foi ele que tirou a Ferrari do buraco. Ainda por cima, deu a entender que faria o mesmo com a Brabham-Alfa Romeo, equipe que escolheu para disputar o campeonato de 1978.

Niki teve que engolir suas palavras. Isso por que, nos seus dois anos de Brabham, Lauda só obteve uma única vitória na pista, justamente no GP da Suécia de 1978, aquele mesmo que desejava cancelar! Ganhou com reservas, pois disputou a prova com o Brabham Ventilador, que acabou sendo desqualificado do campeonato. Depois, recebeu de presente a vitória no trágico GP da Itália.

Além disso, ficou mais ou menos provado que Lauda não era milagreiro, pois a performance dos Brabham-Alfa Romeo em 1979 conseguiu ser mais pífia do que 1978. Enquanto isso, a Ferrari continuava a ganhar muitos GPs (cinco em 78, seis em 1979), de fato, levou o caneco em 1979.

A meu ver, foi um pouquinho de vergonha que levou Niki a se aposentar pela primeira vez em 1979. Sem dúvida a memória não falhou, lembrou-se da malcriação contra a equipe que lhe deu dois campeonatos, e antes do campeonato terminar, se mandou para cuidar da sua empresa aérea. Ainda por cima, teve que engolir o "quieto" Piquet ganhando corridas e o vice-campeonato já em 1980.

Eventualmente Lauda voltou, e com mais experiência, escolheu uma equipe em verdadeira ascendência (a McLaren). Embora a língua ainda continuasse ferina, ficou um pouco mais controlada...

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