Dane-se


Não é preciso ser grande conhecedor do automobilismo para sacar que apesar do aparente companheirismo, há muita rivalidade no esporte. Sempre houve, sempre haverá. Egos super inflados, boas doses de dinheiro, exposição na mídia, patrocinadores, tudo isso misturado com nacionalismo e carreiras curtas são elementos explosivos.

Cada companheiro é mais um oponente na Formula 1. Por isso existe tanta antipatia entre os pilotos na categoria Top do automobilismo. Querendo ou não, um colega a menos significa uma oportunidade aberta.

Eis o cenário. Um piloto arrisca sua própria vida para salvar o próprio piloto que arruinou a sua carreira na Formula 1.

Não estou viajando na maionese, ocorreu.

Em 1973 a Ferrari vivia uma das suas piores temporadas. Apesar de ganhar duas corridas no Mundial de Marcas, na Formula 1 a equipe foi mal. O carro que em 1972 fora bastante competitivo, se tornou, na versão atualizada, uma jaca anti-competitiva. Além disso, havia a grave situação política. Mauro Forghieri, o excelente engenheiro da Scuderia ficou de molho no começo do ano. Alguns dizem que ele pediu para ser afastado, outros dizem que foi afastado. O fato é que Caliri, e os outros engenheiros não deram conta do recado, e durante o curso do ano a equipe do Cavallino foi colapsando.

Jacky Ickx, piloto da equipe há quatro anos, se afastou antes do final da temporada. E a Ferrari esteve ausente de diversos GPs.

Enquanto isso, Arturo Merzario perseverava, testando os carros de F1 e Protótipos em Maranello. Almoçava de vez em quando com o Commendatore, e o convenceu a trazer Forghieri de volta. Pouco a pouco, foi sendo desenvolvida uma boa versão da B3, que seria usada em 1974.

No meio do ano, a Marlboro já estava bastante descontente com a BRM, e afirmava que não renovaria o patrocínio, que acabou sendo levado para a McLaren. Também descontente estava Clay Regazzoni, que fizera a pole na primeira corrida do ano, liderando-a, mas que perdera completamente a confiança na equipe no meio da temporada. Como Ickx se afastara da Ferrari, Clay costurou sua volta à equipe para 1974.

O óbvio seria manter Merzario. Entre outras coisas, foi ele que contribui bastante para o desenvolvimento da B3. O Commendatore, por bem, por mal, gostava dele. Entretanto, Caliri ficara furioso com a questão 1000 km de Nurburgring, entre outras, e era um dos que queriam o italiano fora da equipe. Os desafetos acabaram convencendo Luca di Montezemolo, o novo chefão.

Muitos nomes foram considerados. Jean Pierre Jarier, que fazia furor na F2 naquele ano, Chris Amon, ex piloto da equipe, até os nomes dos brasileiros Pace e Emerson foram cogitados. No fim das contas, supostamente por indicação do próprio Regazzoni, a Ferrari acabou optando por Niki Lauda, desprezando o pequeno Arturo.

Este não teve qualquer opção, senão assinar contrato com a fraca Iso-Marlboro, assim enterrando de vez sua carreira na F1.

O resto é história. A B3 se tornou um carro excelente, por pouco a Ferrari não ganha o campeonato de 1974. Lauda fora o piloto mais rápido do ano, e em 1975, tornava-se o primeiro campeão com Ferrari desde 1964.

1976, o cenário, novamente Nurburgring. Depois de fazer um excelente GP da Inglaterra com a March, chegando a ocupar a quarta posição, Arturo Merzario perde o lugar por falta de patrocínio. O mundo da F1 é pequeno. O mesmo Jacky Ickx com o qual Merzario teve lá seus problemas entre 1973 e 1975 (a questão 1000 km de Nurburgring envolvia Ickx, lembrem-se), saira da Equipe Williams após o GP da Inglaterra. Frank não titubeou, e apesar das pendências financeiras surgidas com Merzario em 1975, que levaram o italiano a deixar a equipe, Frank recontratou Arturo.

O carro da Williams, um ex Hesketh, era uma porcaria. Não foi à toa que Ickx saiu da equipe. Porém, Merzario, acima de tudo, gosta de correr, digo gosta por que corre até hoje! E lá estava ele no mesmo Nurburgring que causou a sua demissão da Ferrari.

Tentar salvar seu companheiro de equipe, como fez Arturo em 1971, quando o querido Ignazio Giunti pereceu num acidente em Buenos Aires, é uma coisa. Arriscar a vida para salvar o piloto que ajudou a afundar a sua carreira na F1 na Ferrari, outra. E foi justamente isto que o corajoso Arturo fez. Com a ajuda de Brett Lunger e Harald Ertl, Merzario se embrenhou nas chamas que envolviam a acidentada Ferrari número 1 de Lauda, que a qualquer momento poderia explodir, e ajudou a tirar o austríaco do carro a tempo de salvar-lhe a vida. Notem bem, Lauda estava no pelotão da frente quando se acidentou, e muita gente viu o acidente E NÂO PAROU!

Lauda sobreviveu, e naquele mesmo ano, procurou Arturo para lhe dar um presente, um Rolex de ouro. Arturo não quis aceitar, só o fez por insistência do engenheiro Carlo Chiti que estava presente.

Sem mágoas, Arturo e Niki fizeram uma bonita amizade que persiste até hoje. Recentemente, estiveram juntos no Norsdchleife, cimentando esta amizade na base da coragem e bondade de um grande ser humano, apesar da pequena estatura. Niki ainda ganharia muitos outros GPs e dois campeonatos, a carreira de Merzario na F1 somente se afundou dali para a frente. Foi também o fim do Nordschleife na F1.

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