O presente se entende sempre com uma análise do passado

Mudei-me para a Flórida em 2005, tendo morado na área de Nova York e New Jersey desde 1976. Muito mudou desde então, não só em Nova York, inclusive no local onde eu morava (Roosevelt Island) como aqui na Flórida. Bem, o mundo inteiro mudou.

Naquela época, 2005, ainda havia um número razoável de lojas de miniaturas em Nova York. Tinha uma loja de brinquedos clássicos, Classic Toys (lógico) que ficava no Village, um quarteirão atrás de uma rua na qual morei nos anos 80. A loja também vendia miniaturas de diversas escalas, e foi lá que eu comprei boa parte do meu acervo. Tinha também uma outra loja na Park Avenue, bonita, cujo nome não me lembro. Ambas fecharam.

Ainda assim, comprava muitas miniaturas em catálogos, que naquela época ainda eram de papel. Sim, a internet já existia, e de fato eu operava uma bem sucedida web-store na época (além de fazer traduções), porém eu ainda recebia alguns catálogos, não com a frequência em que recebia nos anos 90, lógico, mas minha caixa de correio era bem mais divertida.

A campeã entre as lojas de catálogo, naquela época, era uma loja chamada EWA, que ficava quase no centro de NJ, ou seja, um pouco longe de Manhattan, por isso não frequentava com frequência. Porém o catálogo da EWA era extenso, tinha mais de cem páginas, e além de venderem miniaturas de todas escalas, também vendiam livros, revistas (inclusive assinaturas da Autosport) e outros itens relacionados a carros e corridas. Era uma loja ampla, e deliciosa. Uma vez, comprei na loja um caro livro chamado "The History of Brooklands Motor Course, 1906-1940".

Tenho uma coleção razoável de livros de automobilismo que consumo com muito prazer. Curiosamente, fiquei com bronca desse livro. Era um desses livros ingleses no estilo antigo, com muito texto, em letras pequenas, e com poucas fotos. Na realidade, as fotos apareciam em seções específicas do livro, só de fotos. São páginas e páginas seguidas de texto miúdo. E fui deixando de ler o livro, passando para trás quando chegavam livros mais "leves" de ler.

Infelizmente, a EWA teve um fim trágico. Segundo pude apurar, acho que por causa de uma forte tempestade, o teto da loja colapsou sob o peso da água e grande parte do estoque se estragou. A loja nunca mais abriu, e lá se foi embora a possibilidade de comprar deles - fisicamente ou online. Foi um baque.

Porém, o antipático livro permaneceu na estante, intocado, até o dia em que resolvi pensar porque não simpatizava com o mesmo. Daí, cheguei a uma conclusão curiosa.

No período coberto pelo livro, 1906 a 1940, me interessava muito o automobilismo praticado no Continente Europeu, povoado de Alfas, Maseratis, Bugattis, Delages, Mercedes e Auto Unions. Equipes de fábrica, grandes nomes, corridas épicas e curiosas, com ases da época, em diversos países. O automobilismo inglês me parecia (e de fato era) isolado, de importância secundária e um tanto diletante na época.

Pensando um pouco mais profundamente, comecei a puxar pela memória que na maioria dos GPs do continente haviam no máximo quatro ou cinco marcas de carros, principalmente do final dos anos 20 para frente. (Nas GPs do início do século XX havia mais variedade, inclusive marcas como Vauxhall, Opel, Peugeot, FIAT, Hispano Suiza e Itala, nem sempre associadas a corridas). A maioria dos participantes das corridas de GP no continente eram marcas que se consolidaram e permaneceram (exceções Delage e Delahaye).

As corridas inglesas, entretanto, eram curiosas. O pessoal corria em Brooklands com uma variedade imensa de marcas, e muitos "specials" de fundo de quintal, alguns inclusive com imensos motores de aviação. Carros antigos permaneciam em serviço por mais de 10 anos, alguns tão modificados que era impossível dizer sua origem.

Imagino que minha antipatia pelo livro vinha do meu não conhecimento da maior parte dos nomes dos pilotos e dos carros. Porém, contextualizando, deu para entender por que eventualmente a Inglaterra dominou a produção não só de carros de corrida, como componentes, e de fato a F1. (Muitas equipes se apresentam como equipes de outras nacionalidades, porém são baseadas na Inglaterra).

O mais supreendente disso é o quase total colapso do setor automotivo inglês, tão povoado de marcas na época coberta pelo livro. Hoje restam relativamente poucas marcas inglesas de automóveis, e algumas estão nas mãos de outros países como Índia, China e Alemanha. O orgulho inglês segue ferido.

Porém, no Continente não havia a tradição de construir "specials", e as marcas nas pistas, quase geralmente, eram montadoras, ou pelo menos também construíam carros de rua. Muito mais fácil absorver, e se interessar por um grid cheio de Alfas, Maseratis e Bugattis do que um bando de Specials.

Quando as coisas mudaram no final dos anos 50, países como França, Itália e Alemanha não tinham um setor especializado, onde poderiam florescer dezenas de marcas ao mesmo tempo. A Inglaterra sim.

Hoje o livro de William Boddy (que foi editor da Motor Sport), me parece não só muito mais simpático, como mexe bastante com minha imaginação. Todos anos, de 1906 a 1940 são cobertos em detalhe, ano por ano.

Valeram os 49 dólares pagos há quase vinte anos atrás.

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