Nos meandros do GEIA ou de quem é a culpa

É fascinante estudar a história da indústria automobilística 100% nacional na era JK, se é que realmente podemos chamá-la assim. Já falei sobre o assunto, aqui e ali, portanto não vou repetir o que eu acho sobre a frase "JK trouxe a indústria automobilística ao Brasil". A coisa aconteceu no seu mandato faraônico, mas não foi ele o causador da suposta implantação da indústria no Brasil. Seria a mesma coisa que dizer que Lula trouxe a estabilidade econômica ao Brasil.

Já na era GV (segundo mandato terminado com bala na cabeça) existia o GEIA, o órgão supremo que decidiria a composição da nossa "nascente" indústria. Em retrospectiva, diria que o GEIA não fez um trabalho primoroso. Seus próprios estatutos rezavam que as montadoras deveriam priorizar os utilitários, depois os carros populares, e por último, bem por último, os veículos de luxo. Basta ver as listas de carros produzidos no Brasil no início da indústria, e notamos uma curiosa idiossincrasia - produzia-se no Brasil dois carros populares (o VW e o Dauphine) e três veículos de luxo, o Aero-Willys, o FNM JK e o Simca.

Curiosamente, os argentinos, com um mercado numericamente mais restrito do que o nosso, conseguiram atrair fabricantes mais sólidos do que Simca, DKW e Willys, embora os dois últimos também fossem representados na terra platina (Auto Union Santa Fé e IKA-Renault, neste último caso, com maior presença da sólida Renault). Não que Ford, GM e Chrysler não tivessem se interessado em fabricar carros no Brasil. O fato é que o GEIA cedia a pressões de diversos tipos, e assim, projetos como o do JK e Simca eram aprovados, e projetos da Ford, GM e Chrysler, rejeitados.

A própria Mercedes-Benz teve um projeto para montar carros no Brasil aprovado nos anos 60, numa época em que não tinha carros populares! Os alemães resolveram engavetar o projeto estranhamente aprovado pelo GEIA, continuando a produzir somente ônibus, caminhões e motores.

O caríssimo JK foi aprovado pois a FNM tinha vínculos com a italiana Alfa-Romeo, e a FNM era uma estatal. O JK certamente não era o carro certo da Alfa para o Brasil, naquela altura das coisas, e algum modelo mais popular e mais italiano da minha querida montadora faria mais sentido. Entretanto, como o carro não fizera sucesso na Itália, e ficaria mais fácil transportar a ferramentaria para o Brasil, assim foi feito, e o carro foi batizado em homenagem ao Presidente.

No caso da Simca, foi a única montadora na época que demonstrou vontade de se instalar nas Minas Gerais, terra do JK. Não interessa que no fim das contas nunca produziu um único carro na terra das alterosas, mas o fato é que aceitar construir carros na terra do sorridente presidente (algo que não fazia muito sentido na época por razões logísticas, não se ofendam, mineiros), abriu as portas para a Simca, que viu aprovado o seu projeto de construir o nada francês Chambord no Brasil. De novo, um carro razoavelmente grande, de luxo, que feria indisputavelmente os princípios do GEIA. Entretanto, exigiria pouco investimento da montadora francesa, bastava transferir para cá as ferramentas e pronto. O menor Aronde faria mais sentido, mas...

Além disso, grande parte dos primeiros Simca e JK estavam longe de ter o nível de nacionalização exigido da GM e Ford pelo GEIA. De fato, diz quem sabe que os JK que ganharam as Mil Milhas em 1960 estavam muito longe de ser brasileiros, algo como 99% longe. Os primeiros Simca também foram CKD e demoraram para se brasilizar.

Não foi surpreendente que o projeto do Ford Falcon não foi para frente, e que os americanos só passaram a se interessar em fazer carros no Brasil depois do golpe militar de 64.
Isso por que a aprovação por parte do GEIA exigia certos níveis de nacionalização, em troca, oferecendo vultosos incentivos fiscais. Nas negociações, quanto menos rápido os carros se tornavam nacionais, menos vantajosas eram as benesses fiscais. Isso se aplicava pelo menos para os americanos, pois como vimos, os JK e Simca se tornaram brasileiros vagarosamente. A intenção era criar empregos no Brasil.

Não é bem sobre isso que quero falar. Hoje em dia, graças a Deus, não existe o rocambolesco e onipresente GEIA, para decidir quais carros serão construídos no país. As decisões são tomadas pelas fábricas, com base em dados mais concretos. Sim, os incentivos fiscais ainda existem para engraxar negócios. A meu ver, entretanto, o governo brasileiro se acostumou, desde a era JK, a compensar a perda de receita tributária concedida por incentivos às fábricas, repassando aos consumidores finais excessivos impostos de todos os tipos, que fazem do carro brasileiro um dos mais caros do mundo. O hábito persiste, pois quem não gosta de uma moleza?

Como os brasileiros de todos matizes e níveis sociais são doidos por carros, submetem-se, pagando prestações de 1000 reais por mês para carros que são financiados a US$169 nos EUA. A maior parte do valor, onerosos impostos.

Se o consumidor brasileiro tivesse um espírito mais cívico, coletivo, poderia forçar a mudança desta situação. Um boicote. Sim, muita gente está comprando seu primeiro carro no Brasil, inclusive muitos ex integrantes da classe D, mas a maioria dos carros novos é comprada por gente já acostumada a dirigir, que já tem carro há séculos, e que, portanto, não precisa do veículo MAS QUER um carro novo. E alguns reclamam há mais de cinquenta anos dos altos impostos!!!

Ora, se essa massa de pessoas se mobilizasse, e parasse de comprar carros novos durante uns três meses, informando ao governo que exige a redução dos impostos, tenho certeza de que pressões de todos os lados, inclusive de políticos populistas, causaria uma redução substancial dos impostos, harmonizando-os com os preços internacionais. Quem sabe a tributação de carros até entrasse na Constituição!!!

Obviamente, este tipo de coisa é praticamente impossível de ocorrer no nosso Brasil sem inflação...

Fica aqui a pergunta, de quem é a culpa?

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