Segurança no automobilismo

Se você me disesse, nos anos 70, que haveria um período de 18 anos sem uma única morte na Fórmula 1, diria que você era doido varrido. Afinal de contas, na época, a morte no automobilismo, inclusive na F-1, era uma ocorrência triste, porém, esperada.

Já seguia o esporte de longe desde 1969, e lembro de ouvir as notícias das mortes de Jochen Rindt, Pedro Rodriguez e Jo Siffert, e também do mineiro Marcelo Campos. O primeiro ano em que segui o automobilismo com zelo quase didático, 1973, tive uma desagradável surpresa, um batismo de fogo.

Depois de um ano calmo, 1972, a morte rondou as pistas em 1973. Na F1, morreram o iniciante Roger Williamson, queimado dentro do seu March capotado em Zandvoort, e o experiente François Cevert, que todos esperavam substituiria o campeão Jackie Stewart na Tyrrell. O francês morreu decapitado em Watkins Glen.

Não foi só na F1 que o bicho rolou. O escocês Gerry Birrel morreu em Rouen, numa corrida de F2. Nas 24 Horas de Spa, morreram Hans Peter Joistein e Roger Dubos. A Indy 500 daquele ano levou dois pilotos veteranos, Swede Savage e Art Pollard, que sucumbiram a acidentes em diferentes dias. Nas motos, Jarno Saarinen e Renzo Pasolini morreram num terrível acidente em Monza. Charles Blyth morreu nos treinos para a Targa Florio. Larry Smith morreu numa corrida de NASCAR em talladega.  Até na América do Sul o bicho estava solto. Numa corrida do Gaúcho de Turismo morreram Pedro Carneiro Pereira e Ivan Iglesias, em acidente que foi assunto de matéria no Fantástico, e o campeão de Turismo Carretera argentino daquele ano, Nasif Stefano, morrera em uma corrida secundária no final do ano.    Por cima, me lembro desses óbitos, mas acho que houve outras mortes no esporte, em categorias menores.

A meu ver foi daí por diante que os pilotos passaram a levar a questão segurança com mais afinco, realizando boicotes e se organizando. Além disso, o automobilismo começava a tentar se tornar um esporte de massa, e a fama de esporte perigoso atrapalhava. Diria que na realidade esta foi a verdadeira razão de investir na segurança do esporte. O dinheiro, sempre o dinheiro.

Nos próximos anos, corridas de estrada foram eliminadas, alguns autódromos reformados e outros suprimidos, estudos realizados sobre impacto nos chassis, equipamentos de segurança aprimorados e implementados. Além disso, a medicina melhorou muito nos últimos 40 anos, principalmente na área de equipamentos e cuidado de traumatismos. Criou-se então um produto mais palatável para a TV.

O jornalista Denis Jenkinson, que escrevia para a Motor Sport na época, achava que os pilotos estavam fazendo tempestade em copo d'água, e, de fato, teve uma polêmica pública com nada menos do que Jackie Stewart, o campeão mundial. Na opinião de Jenkinson, que preferia um automobilismo mais tradicional, o perigo fazia parte do esporte e nunca seria suprimido.

É verdade que às vezes as coisas parecem pasteurizadas demais hoje em dia, com safety cars, bandeiras vermelhas, etc. Entretanto, a cena de ver carros passando, volta após volta, ao largo do incendiado March de Williamson não sai da minha cabeça até hoje. Na ocasião, ninguém sequer cogitou de parar a corrida para atender o piloto. O show continuou.

Se você me perguntar se prefiro a situação de outrora ou a de hoje, não titubeio. Gosto de ver meus pilotos prediletos se aposentando com vida, com todas as pernas e braços.

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo

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