Fábricas de volta no automobilismo

Nos últimos meses, diversos anúncios foram feitos por fábricas que estariam voltando a certas categorias de alto nível do automobilismo de competição. Ontem surgiu o boato de que a Honda estaria fornecendo motores à McLaren a partir de 2015, veiculado pela geralmente bem informada BBC.

O boato até que faz sentido, e por isso mesmo, não devemos soltar muitos rojões. Explico adiante.

A história se repete, não há nada novo embaixo do Sol. Quando os motores turbo foram implementados na Fórmula 1,  um número razoável de fabricantes se prontificou a continuar a montar motores e outros tantos, entraram na briga. Durante algum tempo, motores da Honda, BMW, Alfa-Romeo, Ferrari, Ford, Porsche (TAG) e Renault brigaram por posições com motores de fabricantes não aliados a montadoras de carros, como Hart, Yamaha e Zakspeed. Aos poucos, uma ou outra fábrica foi caindo fora, BMW, Renault, Alfa-Romeo, algumas repassando seus projetos para empresas como Mecatron. No fim das contas, sobraram poucas fábricas na F1.

Em 1988 a 1991, um grande número de montadoras passou a participar do Campeonato Mundial de Marcas, que nunca antes tivera tantas fábricas em seu plantel. Porsche, Jaguar, Mercedes, Peugeot, Aston-Martin, Nissan, Toyota, Mazda. Entretanto, a festa durou pouco. Quando chegou o campeonato de 1992, só sobraram a Toyota e Jaguar, e o campeonato colapsou.

Não é só nos campeonatos mundiais que isso ocorreu. Com o colapso da categoria esporte em 1992, os campeonatos de carros turismo passaram a ganhar um prestígio nunca dantes conhecido na Europa. Ao passo que em 1991 somente Ford, BMW e Toyota participavam do BTCC, a partir de 1994, um número imenso de fabricantes europeus e japoneses alinharam carros no campeonato, com equipes oficiais ou semi-oficiais e o objetivo (óbvio) de ganhá-lo. Alfa-Romeo, BMW, Toyota, Honda, Nissan, Volvo, Ford, Vauxhall, Audi, Mazda, Renault e Peugeot. Logo surgiu um padrão. Fabricantes que ganhavam um campeonato, um ou dois anos depois caíam foram, ao passo que alguns como Peugeot, não tiveram paciência de esperar sua vez. Quando chegou o final da década, o campeonato estava vazio de fábricas, e no começo do milênio, os "privateers" passaram a dominar, misturados com um ou outro fabricante de segundo escalão, como MG, Proton e Lexus.

Daí veio a F1 do milênio, que contou com um influxo inusitado de fabricantes de carros, que compraram equipes estabelecidas ou as montaram do zero. A crise de 2008 veio a dar o golpe final no projeto de uma Formula 1 realmente relevante para a maioria dos consumidores do mundo - sim, pois quase todo mundo conhece Toyota, BMW e Renault, poucos sabem o que é Sauber e Minardi.

Não é preciso ser Einstein para concluir que, de modo geral, os fabricantes de menos sucesso são aqueles que caem fora primeiro, apesar do exemplo curioso do BTCC dos anos 90, em que o sucesso era quase garantia de saída. Não é supreendente que as fábricas que permaneceram na F1 atual, Mercedes, Ferrari e Renault, sejam justamente aquelas que ganharam títulos na década, e as que caíram fora, Honda, Peugeot, BMW, Toyota e Ford, obtiveram pouco ou nenhum sucesso!

Fábricas de automóveis são empreendimentos custosos, com margens de lucro cada vez menores. Apesar de CEOs que frequentemente se dizem amantes do automobilismo (lembrem-se de Wolfgang Sauer no Brasil que criou e matou a Formula VW 1600 com a mesma eficiência tedesca), na hora "h" o que conta é o retorno publicitário dado por campanhas vitoriosas. Sim, nós, verdadeiros amantes do automobilismo, que somos no máximo algumas dezenas de milhões no mundo, não nos importamos que fábrica "x" e "y" esteja sempre entre os últimos, contanto que participem. Porém, as fábricas não investem seus milhões para nos entreter, e sim para promover seus produtos ao outro bilhão de pessoas que, de uma certa forma, tenha acesso a informações sobre a F1, e outros tantos sobre Le Mans. Para estas pessoas, só vale a vitória.

Empresas, principalmente multinacionais, não são geridas de forma romântica. Quando um projeto de participação em automobilismo de alto nível é apresentado ao Conselho de uma empresa automobilística, geralmente vem com promessas de desempenho dentro de 3 a 5 anos (e com desempenho, quero dizer, vitórias no campeonato de F-1 ou Le Mans). Quando as vitórias não vêm, os projetos são sumariamente cancelados, sem choro, nem vela.

Achar que hoje em dia, alguns aninhos depois da mega-crise de 2008, a situação mudou para melhor chega a ser ingênuo. Na realidade, piorou. Eu, um pequeno empresário que lida frequentemente com empresas de grande porte, sofro nas mãos de sociedades gigantescas geridas por "bean counters", obcecados por eficiências, competências e outras bestuntices aprendidas nos cursos de MBA, e às vezes sou obrigado a reduzir meus preços em um centavo de dólar, "para quebrar barreiras psicológicas"!

Por isso, não vejo assim com tão bons olhos esse enxame de fábricas interessadas no automobilismo de alto nível, pois sei  que não estão interessadas em competir, e sim, ganhar no curto prazo. A Mercedes, por exemplo, já passou seus três primeiros anos na F1 sem chequer chegar perto de ser um top team. Provavelmente, tinha um plano de cinco anos (tudo indica que não, que era de 3). Assim, se porventura a McLaren se descambar para a Honda, e a Mercedes não tiver ganho  pelo menos um campeonato até lá (a equipe de fábrica, quero dizer), podem contar que a Mercedes se mandará da F1. E o mesmo se aplica ao Mundial de Protótipos e Le Mans. Ninguém quer chegar em oitavo lugar.

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami.


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