Velhos hábitos

Outro dia estava lendo o anuário Autocourse referente à temporada de 1999, e nele vi algo curioso. O piloto irlandês Eddie Irvine admitiu que ganhava rios de dinheiro, basicamente para garantir que um outro piloto ganhasse corridas e campeonatos. O outro piloto, caso não saiba, era Michael Schumacher e a equipe, Ferrari.

O sincero comentário foi curioso, por que Eddie começou a temporada de 1999 ganhando, e de fato, o destino quis que fosse ele, e não Michael Schumacher, o piloto que disputaria o título de 1999, perdido para Mika Hakkinen na última corrida. Claro que as cláusulas contratuais ainda valiam, porém Michael pôs tudo a perder naquele ano com um sério acidente na Inglaterra que o alijou de algumas corridas e da disputa para o título, e no final, foi o alemão que teve que ser escudeiro do irlandês.

Aqueles com memórias mais fortes se lembrarão que Irvine acabou assinando com a Jaguar, por um belo saco de Euros, e Barrichello foi contratado pela Ferrari, assim iniciando a saga ininterrupta de pilotos brasileiros na famosa e tradicional equipe.

Obviamente, Barrichello foi contratado nas mesmas bases de Irvine. Para ganhar rios de dinheiro, basicamente para garantir que um outro piloto (Schumi) ganhasse corridas e campeonatos. Não vou entrar no mérito de culpas, mas o fato é que uma grande parte da torcida brasileira achou que Rubinho era co-piloto número 1 da Ferrari, e aí iniciou-se uma longa novela, que levou à demissão do brasileiro em 2005, e contratação de outro brasileiro, com status de número 2 - Felipe Massa.

Atribuo grande parte desta visão distorcida a certos setores da imprensa brasileira, cujas manchetes e reportagens nem sempre refletem a verdade, ou que apresentam os fatos de uma forma distorcida e tendenciosa. Sem querer fazer trocadilhos, porém, fazendo, se portam mais como torcida do que jornalistas imparciais.

Ontem, alguns órgãos da imprensa noticiaram em manchete que Luiz Razia havia feito o sexto tempo no treino para jovens pilotos em Abu Dhabi. A manchete não estava errada, Razia realmente fez o sexto tempo.   Num grande prêmio, fazer o sexto tempo com um Toro Rosso hoje em dia é um fato a ser comemorado, de fato, fazer o sexto tempo, se você não tem o benefício de um carro de equipe Top 3, é quase uma pole position.

Porém, a manchete esconde que Luiz Razia fez  o penúltimo tempo, pois só havia mais um outro carro na pista naquele treino, ainda por cima um fraco Caterham.

Sem desmerecer do piloto baiano, a performance certamente não lhe garantirá um lugar no grid no ano que vem, muito menos na Toro Rosso, que já confirmou Ricciardo e Vergne. Estes dois não convenceram muito neste ano - seu desempenho só foi marginalmente melhor do que o da dupla Alguersuari e Buemi, porém, a Toro Rosso tem o histórico recente de manter sua dupla de pilotagem pelo menos dois anos.

No dia seguinte, o rival de Razia no campeonato, o italiano David Valsecchi, marcou o melhor tempo num Lotus, na frente de carros Top 3. Isto sim mereceria uma bela manchete.

O meu intuito não é criticar Razia, porém, não colocar nas suas costas uma expectativa fora da realidade. Estas expectativas e distorções com "torcida" não fazem bem para os nossos pilotos.

A não ser que a imprensa hoje em dia acredite em programação neuro linguística...

Carlos de Paula é tradutor e historiador de automobilismo baseado em Miami

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O taxista de São Paulo, e muito disse não disse

RESULTADOS DE CORRIDAS BRASILEIRAS REMOVIDOS DO BLOG

DO CÉU AO INFERNO EM DUAS SEMANAS - A STOCK-CAR EM 1979