Genética automobilística

Há algumas dezenas de anos atrás, dava aulas de português a um sujeito bem jovem em Nova York. Tinha acabado de sair da Universidade, e já ocupava o cargo de vice-presidente de uma das maiores empresas imobiliárias da cidade. Tive curiosidade de saber seu paradeiro atual. Supresa, hoje é o presidente da mesma empresa!

Alguns hão de dizer, "está no DNA". O próprio cara deu a razão. Numa entrevista, dizia que desde pequeno, só ouvia falar de imóveis, mercado, dinheiro, dinheiro, mercado, imóveis, do café da manhã até dormir. Seu destino já estava marcado, e deu-se conta de que já estava sendo treinado desde uma tenra idade, e assumiu a empresa que o avô fundara. Lógico, quis dizer que subiu pelos meios próprios, etc, etc. Conte outra, MC.

Esse negócio de genética no automobilismo me parece furado. Fazendo uma análise por cima, há muito poucos, e circunstanciais, casos em que a performance de irmãos ou filhos se equipara. O que existe é o mesmo efeito do meu ex-aluno. O carinha cresce ouvindo falar de automobilismo, vendo corridas na pista, mexendo em carros e karts, convivendo com outros grandes pilotos, e, por bem, por mal, se torna um grande piloto. Com a vantagem de portas abertas pelo sobrenome famoso, inclusive patrocínios e agenda telefônica dos pais.

Nos EUA existem os casos de Mario e Michael Andretti, e Al Unser e Al Unser Junior. Mario foi um piloto excepcional, quase sem nenhum ponto fraco, já Michael, embora tenha obtido bastante sucesso na F1, demonstrou muitos pontos fracos. Inclusive na F1, quando foi sumariamente massacrado por Ayrton Senna na McLaren. Que dizer do neto Marco...Melhor ficar quieto. Unser Junior fez boa carreira, porém, não herdou a longevidade e boa cabeça do pai. Acabou com a carreira mais cedo do que devia.

Na F1, o único caso em que a genética foi generosa foi com os irmãos Schumacher. No auge da carreira de Michael, Ralf ganhou diversas corridas, chegando a fazer dobradinhas com o irmão. Já entre os irmãos Stewart, Fittipaldi, Scheckter, Fabi, etc., houve bastante diferença de performance. Entre filhos e pais a coisa não é muito diferente.

Assim, esperar que Bruno, que é somente sobrinho de Ayrton, fosse tão rápido e talentoso quanto o tio me parece conto de fadas. Bruno conseguiu o objetivo de chegar á F1, fez uma temporada razoável com a Williams nesse ano, porém, convenhamos, Bruno está há alguns anos luz de Ayrton.

Era inevitável que Bruno cedesse este espaço para Valtteri Bottas, que em alguns treinos foi mais rápido que Senna e Maldonado.

Inevitavelmente, as vozes do bairrismo exacerbado dirão que Bruno e Pastor tiveram desempenhos parelhos neste ano (inverdade), que Bruno foi injustiçado e não teve o mesmo equipamento (inverdade) e que os europeus estão de assinatura com os brasileiros (outra inverdade).

A verdade é que desde 2007, o finlandês obteve 31 vitórias em diversas categorias, ao passo que Bruno, em sua carreira inteira, obteve 12 desde 2004. Bruno teve sua chance, infelizmente, não colou. Resta saber se ainda encontra lugar em outra equipe, algo um tanto difícil, considerando-se que provavelmente a HRT não voltará às pistas.

Valeu a tentativa, Bruno.

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami

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