No fundo, o que incomoda é o profissionalismo

Quando comecei a seguir seriamente o automobilismo, nos anos 70, o patrocínio comercial no esporte ainda era nascente, e o produto estava longe de ser televisivo. Era a hoje chamada era romântica do automobilismo - naquela época, diziam que os anos 20 eram a época romântica, mas deixem pra lá, se não complica o meu raciocínio. Bom, já que é para complicar, pergunto, será que em 2050 vão dizer a mesma coisa de 2015, que esta era a época romântica do automobilismo?

Romance ou não, a realidade é que as coisas, mesmo na Europa e nos EUA (que dizer do Brasil) eram meio feitas a toque de caixa, desde a organização, até o projeto de carros, autódromos e pistas de rua, administração de carreiras e equipes. Tudo tinha um toque de diletante. A Brabham, que em 1972 produzia não somente carros de F1, mas também de F2, F3 e Fórmula B, supostamente tinha uns 25 empregados, que fabricavam dezenas de monopostos por ano. Pelo menos a Brabham tinha um projetista com diploma de engenheiro, pois muitos carros ainda eram projetados "no grito", até mesmo na F1.

Na realidade, o dinheiro não rolava tanto assim, afinal de contas, o público da maioria das corridas, em modo geral, era a rapeize que pintava nos autódromos (ou circuitos de rua). Na melhor das hipóteses, eram algumas dezenas de milhares de pessoas, com algumas exceções como Indy, Le Mans, corridas em Nurburgring. Os "title sponsors" pagavam uma merreca, hoje em dia insuficiente para o patrocínio na cueca de um piloto de segunda.

Nesse espírito de quase bagunça, carros sem condição de participar de uma corrida, participavam. Pilotos, idem, principalmente se tivessem dinheiro (por isso a tal conversa do "paid driver" é ridícula). Os participantes de corridas num mesmo campeonato variavam tremendamente, de prova para prova, ás vezes por causa das dimensões da pista, mas às vezes por causa do diletantismo que imperava.

Vejam a Fórmula Indy. Muita gente reclama do único chassis no campeonato atual, que isso é chato, monomarca, etc. No início dos anos 70, apesar de um grande número de Eagles nas corridas, diversas equipes projetavam seus próprios carros, como o Coyote de A.J. Foyt, Vollstedt, Wildcat, além de outras marcas mais obscuras ainda. Nem pensar em esquadras de 4 carros, como a Penske e Ganassi. A maior parte das equipes eram literalmente de fundo de quintal, inclusive na Indy 500.

As corridas de NASCAR também eram assim. Os prêmios milionários só viriam depois, com a televisão. Em certas corridas da Grand National, os últimos colocados levavam 500 paus para casa. Sim, quinhentos dólares. E nada disso de 43 carros em todas corridas - em algumas pistas mais mequetrefes, vinte e poucos carros. E quase ninguém disputava todas as corridas do ano (uma das razões pelas quais Richard Petty ganhou tantos campeonatos - sem desmerecer do grande piloto - é que geralmente participava de todas ou quase todas corridas dos campeonatos).

Voltemos o foco para a Europa. Hoje em dia, organizadíssimas equipes de F3 têm até engenheiros de pista! Naquela época, ter um único mecânico na F3 já era um luxo. E muitas vezes, os pilotos de F3 faziam mais de 25 corridas por ano, viajando pela Europa inteira, com um carro, e reboque com o bólido em cima. A mesma coisa se aplica à F2.

Na Fórmula 5000, que dizer. principalmente nos últimos anos da categoria, uma grande parte dos pilotos inscritos nem aparecia, e muitos que treinavam, acabavam não largando por problemas mil. O resultado disso eram grids super pequenos.

Nas corridas de protótipos, mesmo na era dos monstros Porsche 917 e Ferrari 512, o número de carros de primeira linha em provas do Mundial de Marcas era pequeno. Apesar de produzidos 25 exemplares do 917, em geral, havia 4 ou 5 na pista durante a maior parte de 1970 e 1971. A mesma coisa com a 512. A maior dos grids era formada de pilotos locais, geralmente com carros fracos.

Enfim, essa foi a era romântica. Sim, havia mais ultrapassagens na F1, mais "colpi di scena" nas categorias de modo geral, mas diria que em grande parte, a culpa disso é o grande nível de profissionalismo nas corridas da atualidade. No fundo, é isso que incomoda. Tornou-se mais uma profissão do que um esporte, no sentido rigoroso da palavra.

Em vez de ficar reclamando da F1, assisto corridas do BTCC, Trans-Am, DTM, corridas de GT, V8 Australiano. Sim, são mais empolgantes. Só não tenho muita certeza se as coisas eram tão melhores assim antigamente, ou se vencia o menos incompetente...  

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