Aparências enganam, micos e etc.

Os menos avisados seguidores do automobilismo brasileiro do início dos anos 70 podem se enganar redondamente com a qualidade de alguns carros que correram - ou iam correr no Brasil. É verdade que para um país com poucos bólidos, qualquer carro meia-boca, vindo do exterior, pareceria grande coisa, comparado com carros de rua com a capota retirada, chamados curiosamente de protótipos, ou feiosíssimos patos-feios.

Um desses carros foi o protótipo Royale. A meu ver, era um protótipo bonito o Royale, que podia ser equipado com motores de até dois litros. Porém,  o Royale passou muito longe de corridas de primeiro escalão. A Europa teve um campeonato para protótipos de 2 litros entre 1970 e 1975, e curiosamente, nenhum Royale participou do campeonato, apesar de um número razoável de marcas representadas. No Mundial de Marcas a representação foi nula, os carrinhos sequer foram inscritos em corridas. Os Royale corriam somente em provas de segunda categoria na Inglaterra, mas chegaram no Brasil botando banca. De fato, no Brasil até foram longevos, disputando corridas de 1971 a 1975, inclusive ganhando uma corrida na categoria até dois litros (a prova de inauguração de Goiânia, com Marcos Troncon, sendo posteriormente desclassificado, por ser um carro estrangeiro). Eventualmente, a Royale obteve sucesso razoável na Fórmula-Ford inglesa.

O Grac não foi importado por nenhum brasileiro, porém, foi um dos protótipos inscritos nos 500 km de Interlagos de 1972. Era um carro bonito, porém, seu pedigrê nas pistas não foi grande coisa. O fabricante já fizera monopostos (num deles, Dennis Dayan morrem numa corrida de F3 em Rouen, em 1970), porém, no ano seguinte decidira fazer um upgrade a construir protótipos. Pelo menos o Grac participou do Europeu de 2 litros, originalmente com motor Ford, em 1972, em 1974, fez duas provas com motor Simca. O carro francês tinha cara de brabo, mas não era rápido, e seus pilotos, inclusive o monegasco Lionel Noghês, não eram grande coisa. Noghes foi o piloto do carro no Brasil, e apesar da fraca concorrência (não sejamos bairristas, a lista de inscritos dos 500 km de 1972 não tinha grandes astros do automobilismo mundial), não fez bonito. Em Le Mans, Noghes, correndo em dupla com Robert Cyprien, teve um acidente nos treinos e não largou. De qualquer forma, o tempo marcado (4m30s4-10) não foi lá grande coisa, e colocaria o carro entre concorrentes da classe GT e Turismo. A França tinha um campeonato de carros esporte nessa época, e os Grac participaram do mesmo, também sem grande sucesso, porém, com performances razoavelmente melhores do que nas corridas de primeiro time. Tenho quase certeza que também disputaram provas de subida de montanha, porém, não tenho documentação.



O terceiro carro, autor do mico, não chegou a correr no Brasil, porém, quase veio. Era o Huron-Ford. Conta a história que Chico Lameirão e Ricardo Achcar quase compraram dois, que trariam para correr com patrocínio da Hollywood no Brasil. Ainda bem que não trouxeram. Este protótipo também não era grande coisa - embora também tivesse cara de brabo - e provavelmente passaria vexame até no Brasil. A "fábrica" não passou além do verão de 1971.

Era praticamente o inicio do patrocínio comercial no automobilismo europeu, portanto, conseguir um bom parceiro era bastante difícil. Curiosamente, a Huron conseguiu um bom patrocinador, a marca de cigarros Camel, que mais tarde patrocinaria a Lotus e Williams na F1, sem contar o campeonato IMSA nos Estados Unidos.

Nos 1000 km de Brands Hatch, prova do Mundial de marcas, pelo menos o Huron largou. Fez o último tempo, verdade, mas largou, e durou na pista 57 voltas, abandonando com falha de suspensão. Os herois foram Shawn Jackson e Roger Enever. Dois outros carros da marca estavam inscritos, porém, não apareceram.

O cúmulo da vergonha, entretanto, ocorreu nos 1000 km de Spa. A equipe havia inscrito dois carros, um para Enever-Clive Baker e outro para Shawn Jackson e Syd Fox. Eventualmente, somente um dos carros apareceu na pista, sem motor. Obviamente, não deu em nada. Nenhum dos carros largou, e a Camel, que tinha até trazido um helicóptero e um trailer para maximizar seus esforços promocionais, ficou a ver navios. Nem é preciso dizer que o carro não apareceu em Nurburgring, embora inscrito, e esse foi o final da festa Huron no Mundial de Marcas. O namoro entre patrocinador e fabricante acabou em divórcio, e a R.J. Reynolds, fabricante da Camel, ficou com dois carros.



No Europeu de Dois Litros, em tese, a praia do Huron, o carro também não fez bonito. Shawn Jackson ficou com um dos carros, e teve a coragem de inscrevê-lo na primeira prova do calendário, em Paul Ricard. Inscrever é uma coisa, correr outra. Nem no Euro 2 Litros o Huron conseguia fazer figura, e depois disso, desapareceu das provas de primeira linha.

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