Um festival de babaquice e baixaria

Quando cheguei nos Estados Unidos, em 1976, me apaixonei pela NASCAR. Foi um pouco paixão verdadeira, parte falta de opção. Já acostumado a ver frequentemente corridas de F1 na TV e ao vivo em Interlagos, logo descobri que na TV americana Fórmula 1 deveria ser remédio para hemorróida. Naqueles idos, nem mesmo as corridas da NASCAR eram transmitidas ao vivo, e sim, passavam uma semana depois no Wide World of Sports, na ABC.  Uma vez por outra, passava uma corrida de Fórmula Indy, uns 3 GPs por ano. Corridas de carros esporte, nem pensar.

Era uma época em que a TV a cabo estava nascendo, e embora aqui houvesse mais canais, não eram tantos assim. Naquela época, apesar de já haver revistas especializadas em Stock-cars, o esporte não era tão popular, e ainda tinha um cunho bastante regional. Algumas corridas tinham 20 participantes, outras 50. Os patrocinadores não eram as multibilionárias empresas de alcance nacional, mas sim, em grande parte fabricantes regionais de frango, seguradoras de terceira e vez por outra, carros sem patrocinadores. Em algumas corridas, os prêmios mais baixos eram por volta de 500 dólares, e entre os reis da época, como Petty, Pearson, Baker, Parsons, os Allison e meu favorito Yarborough, estavam figurinhas carimbadas como Coo Coo Marlin, J.D. McDuffie, Lenny Pond, Dick Brooks, Cecil Gordon e James Hylton. Muitos dos pilotos corriam uma ou duas provas, com carros como Mercury, Oldsmobile e Plymouth, marcas que nem mais existem.

Com o advento da TV, em poucos anos a NASCAR mudou. Os patrocinadores não eram mais Holly Farms e K&K Insurance, e sim DuPont e Budweiser. Os prêmios aumentaram, o número de pilotos e marcas participantes diminuiu, tudo foi ficando muito certinho.

A popularização da NASCAR se deu nas camadas mais pobres da população branca dos EUA. Ao mesmo tempo que a NASCAR conseguiu tornar a categoria sinônimo de automobilismo, a categoria foi se tornando um portento de marketing. Tudo passou a ser marketing, inclusive as rivalidades, briguinhas e rixas dentro e fora da pista, envolvendo pilotos e até donos de equipes. Não é à toa que uma grande parcela do público que passou a seguir a NASCAR também adorava o Wrestling, um pseudo esporte onde os conflitos entre os participantes é parte crucial do espetáculo. Afinal de contas, dá aos jornalistas material para escrever.

Um belo dia, me enchi um pouco da NASCAR. Ainda sigo a categoria de longe, mas a constante necessidade de criar as tais briguinhas e rixas, de criar notícias artificiais, simplesmente me encheu. Confesso que uma das coisas que me atraiu ao automobilismo foi o fato de ser um esporte de elite, apesar da graxa e gasolina. A trivialização "a la wrestling" da NASCAR, junto com bubble cars, e outras artificialidades e baixarias, simplesmente me encheu.

Vez por outra ainda assisto uma corrida, porém, não sou parte do fâ clube da categoria, pois ao tornar-se um  "espetáculo" a categoria perdeu muita do atrativo das corridas de 1976.

A recente rixa entre Richard Petty e Danica Patrick, com Tony Stewart como interveniente, é tudo que há de pior com a categoria. O que levou Petty dizer o que disse (que Danica só ganharia uma corrida se estivesse sozinha na pista), e Tony Stewart oferecer seus carros para uma disputa entre o ancião rei da NASCAR e a única mulher da categoria? Parece uma ideia de algum brilhante marqueteiro nascariano que resolveu criar a rixa das rixas, entre o vencedor de mais de 200 corridas e 7 campeonatos, e a moçoila com cara de bravinha que nunca ganhou nada, porém, leva mais grana do que o Rei ganhou na carreira inteira numa única temporada.  Sim, por que francamente, o Rei Petty nunca foi dado a estas briguinhas, este rompante parece muito atípico - me parece que há muitos interesses graúdos por trás deste provavelmente nada espontâneo desafio,

Entendo que entre os pilotos do sexo masculino, La Danica não seja tão popular na NASCAR, como não era na Indycar. Isto porque, mesmo sem ser piloto de ponta, o fato de ser do sexo feminino e razoavelmente bonita (pelo menos fotogênica) faz dela uma excelente garota propaganda. Consideremos, entretanto, que Danica não está sozinha nisso. O vencedor da Daytona 500 ontem, Dale Earnhardt Junior, é o mais rico piloto da NASCAR, porém, só ganhou 21 corridas até hoje, em 507 provas! Como faz um tipo, é o Beckham da categoria, ganha mais fora do que dentro!

A meu ver, na hora H o tal desafio não vai ocorrer. Richard Petty tem tudo a perder, nada a ganhar. O quase octogenário piloto passou seus últimos oito anos na categoria em vencer, e não corre desde 1992. Se ganhar, nada prova, se perder também nada prova. Só que de uma forma ou outra, a coisa ficaria feia para Petty.

Tudo me parece com aquelas chatas briguinhas públicas entre atrizes globais. Quem sabe a ideia não foi da Luana Piovani...

Para mim, tudo isso é uma grande babaquice e baixaria.

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami    

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O taxista de São Paulo, e muito disse não disse

RESULTADOS DE CORRIDAS BRASILEIRAS REMOVIDOS DO BLOG

DO CÉU AO INFERNO EM DUAS SEMANAS - A STOCK-CAR EM 1979