Duas vezes morta

Não acredito que os mortos ficam lá em cima observando o que ocorre na Terra. Sendo assim, é com certa liberdade poética que digo que Colin Chapman deve estar suando frio nos últimos meses.

Comecei a amar o automobilismo nos anos 60, assim, logicamente o nome Lotus traz à memória muita coisa boa. Foi uma das primeiras equipes que aprendi a amar no meu álbum de figurinhas da Disney, e a seguir com entusiasmo. Admito que tinha muita inveja do Lotus Matchbox de um amiguinho de infância, com número 82 e tudo, em resplandecente British racing green. Em 1970, mais uma razão para amar a equipe - nosso Emerson Fittipaldi não só entrou no Gold Leaf Team Lotus, como ganhou seu quarto GP com um Lotus 72.

Além disso, a Lotus foi a única equipe que abrigou nossos três campeões mundiais, Emerson, Senna e Piquet Pai, e alguns outros pilotos que curti muito, como Ronnie Peterson, Mario Andretti e Mika Hakkinen.

Houve algumas tentativas de trazer o nome Lotus de volta à F1, e finalmente, acabou ocorrendo com a equipe do Tony Fernandes, e com as cores da Lotus do meu amigo. Depois veio aquela celeuma, que resultou na insólita situação - duas equipes usando o nome Lotus numa mesma temporada. Acabou ganhando a supostamente mais forte, a ex-equipe Renault.

Não fosse pelo acidente num humilde Rallye, teria corrido na equipe um dos meus pilotos prediletos das mais novas gerações, Robert Kubica. Quem acabou lá foi um outro favorito, Kimi Raikkonen, que não só conseguiu levar o nome Lotus ao topo do pódium em duas ocasiões, como obteve o terceiro lugar no campeonato de 2012, um feito e tanto. No finalzinho do ano passado, com Raikkonen já em férias adiantadas, todos ficavam abismados com a velocidade de Romain Grosjean na Lotus, muitos dizendo que era o único carro que conseguia peitar a Red Bull. Ou seja, a partida de Kimi nao significava o fim da resuscitada Lotus.

Ocorre que nem tudo ia muito bem em Enstone, na equipe que um dia foi Toleman, depois Benneton, depois Renault e agora Lotus. De fato, Kimi saiu da equipe pois estava levando um grande cano há um bom tempo. E não era só Raikkonen que não era pago. Supostamente a equipe devia à Renault uma conta quase impagável, há quem diga, de mais de 150 milhões de dólares, referente ao fornecimento de motores e outras coisinhas mais. Recentemente, mais um golpe - além de Raikkonen, foi-se embora o excelente Eric Bouiller, uma das duas razões que levaram a equipe ao patamar em que chegara.

É bem verdade que o atrapalhado Pastor Maldonado traz à equipe sacos cheios de petrodólares da PDVSA. Porém, o tal investimento da Quantum nunca se materializou, pelo menos não no valor total, e a grana de Maldonado está longe de ser suficiente para um budget completo.

Duas últimas más notícias me levam a crer que o futuro da renascida Lotus não é muito promissor. Primeiro, a equipe fez forfait nos primeiros testes de Jerez, a única a fazê-lo. Segundo, o motor que equipa os carros foi, de longe, o pior dos motores testados na Espanha.

Ou seja, existem todos ingredientes para uma temporada horrível, quem sabe a última da nova Lotus. Salvo se ocorrer algo no meio do caminho (algum investidor que compre uma participação vultosa na empresa e a capitalize ou um mega-patrocinador), parece que a Lotus vai conseguir a façanha de morrer duas vezes na F1.

Espero que esteja errado, porém, não duvido que a equipe já não participe da temporada de 2015, ou mesmo termine a temporada de 2014.
 
Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami.

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