O automobilismo e a política

Além do dinheiro que sempre azeitou a atividade, desde o princípio of automobilismo tem sido uma atividade midiática, frequentemente atraindo muitos espectadores in loco, principalmente nos primórdios quando não existiam shows da Madonna. Junte os três fatores, e temos a política imiscuída no meio, pois onde tem dinheiro, mídia e gente, lá está a política, de uma forma ou outra.

Há alguns anos atrás escrevi um longo post sobre a política no automobilismo brasileiro. Hoje vou escrever sobre algo diferente, o peculiar GP de Cuba.

No final dos anos 50, o ditador Fulgencio Batista já andava pelas últimas. Mesmo o governo americano, que até então lhe dava suporte, parecia se afastar. Como a ilha vivia do turismo, especificamente para os americanos, Batista pensou numa quase obviedade - criar um Grande Prêmio na ilha-país, e levantar seu moral.

Não um GP de F1, porém, uma corrida de carros esporte. Não era muito original a ideia, pois já ocorriam corridas nas Bahamas desde 1954. O pobre arquipélago que tantou sofreu na sua história (vale a pena ler a triste história das Bahamas) parecia finalmente estar se acertando com o turismo. O automobilismo entrou na mistura. Naquela época havia no início do ano uma série de corridas, depois séries, em países mais quentes, como Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, até mesmo na Argentina e Brasil. Muitos pilotos europeus e americanos participavam, ávidos por ganhar um dinheirinho extra e ao mesmo tempo, curtir uma prainha. Assim apareceram a série de Bahamas e a corrida em Cuba.

No caso de Cuba, a primeira corrida foi realizada em 1957, já no final da era Batista. O vencedor foi o grande Juan Manuel Fangio, com uma Maserati, e entre outros disputaram a corrida Peter Collins, Stirling Moss, Alfonso de Portago, Jean Lucas, Masten Gregory e Eugenio Castelotti.

No ano seguinte, as coisas ferviam na ilha. Fidel e seus compadres revolucionários dispunham da simpatia de grande parte da população, e curiosamente, dos EUA! Ainda assim, Batista resolveu realizar a corrida como no ano anterior, e um senhor grupo de pilotos se desbancou para a agitada ilha. Além de Fangio, vieram Moss, Von Trips, Trintignant, Perdisa, Von Hanstein, Gregory, Bonnier, Norinder, Scarlatti, Mieres, além de alguns pilotos cubanos e o playboy Porfirio Rubirosa. O grande evento, entretanto, acabou sendo o sequestro de Fangio pelos revolucionários, que pretendiam com isso obter cobertura midiática, afinal de contas, Fangio era o campeão mundial, vencedor da edição anterior, e tinha marcado a pole. Logo após o rapto, as autoridades passaram a vigiar os outros pilotos com muito esmero, com atenção dobrada para Stirling Moss. No fim das contas, o simpático Fangio (dá a impressão que era muito difícil não gostar do cara) conseguiu convencer seus raptores a levá-lo até a Embaixada Argentina e o sequestro terminou em pizza. Com os devidos 15 minutos para os revolucionários.

A corrida, não terminou em pizza. Infelizmente, o piloto local Cifuentes fez uma barbeiragem, e teve um acidente que matou sete espectadores, ferindo outros quarenta.

Eventualmente os futuros comunistas (na época diziam que não eram, daí o esdrúxulo apoio americano) tomaram conta da ilha, e o GP de Cuba de 1959 não foi disputado.

Ou seja, as duas primeiras edições do GP foram manipuladas por partes diferentes. Em 57, o ditador Batista queria aumentar sua popularidade junto ao povo e a comunidade internacional. Em 58, os revolucionários queriam a cobertura midiática que certamente traria o sequestro do campeão mundial.

Em 1960, os novos donos da bola já não escondiam seu alinhamento com o comunismo, e Che Guevara já era um dos manda-chuvas no governo, apesar de não ser cubano. E curiosamente, os comunistas decidiram que ter um outro GP de Cuba, sob seus auspícios, seria interessante, em termos de relações públicas. E assim foi feito!

Também curiosamente, muitos dos pilotos eram americanos. Além deles, vieram Moss, Von Hainstein, o campeão mundial Jack Brabham, Maurice Trintignant, Gino Munaron, Jo Bonnier, o jovem Pedro Rodriguez, e um ou outro ricaço cubano ainda participavam da corrida, seus carros ainda não tinham sido tomados pelo governo.  Moss acabou vencedor, seguido de Rodriguez. Porém, nos treinos, mais uma trágica ocorrência - o venezuelano Ettore Chimeri teve um acidente e morreu dos ferimentos.

Inacreditavelmente, Fangio, embora aposentado, voltara a Cuba para as festividades. E como houve festividades!!! Quem conta é o ex piloto italiano Teodoro Zeccoli, que alguns devem lembrar, participou dos 500 km de Interlagos de 1972 com uma Alfa TT33 de fábrica. A festança comia solta no Hotel Lincoln, o mais luxuoso da ilha. E sentados na mesma mesa, Fangio e Che Guevara. Zeccoli, que correria com uma Osca, veio participar da animada roda, e ficou surpreso com o imenso interesse de Guevara nos detalhes de todos os carros. Che não estava sendo somente educado, realmente estava entusiasmado com o papo que durou horas, devidamente regado por burguesas garrafas de champanhe!

Apesar da agradável experiência para Che, o GP de Cuba acabou sendo o último da curta série. Não se sabe se existia uma razão oficial, porém, certamente, à medida que o regime cubano se radicalizava cada vez mal, pegavam mal as festas regadas a champahne, com pilotos de carrões caríssimos, vindos de regimes antagonistas.

Mas que o Che gostou da coisa, isso lá, gostou. Palavra do Zeccoli.

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami 


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