A ilusão de novos campeonatos

Parece que todo ano agora surge um novo campeonato de automobilismo na Europa, supostamente de alto nível. Por outro lado, anualmente um ou outro campeonato do Velho Continente vai para a cucuia. Curiosamente, muitas vezes organizadores insistem em conceitos falidos - como a resuscitação de um campeonato a la A1GP, a Copa do Mundo do automobilismo.

Houve época em que campeonatos na Europa eram poucos. Os eventos automobilísticos eram provas isoladas, algumas com certa importância como Vila Real e Chimay. Embora já existisse um campeonato Europeu de F2 desde 1967, ocorriam diversas corridas extra-campeonato desta categoria, em diversos lugares do continente. Lá por volta de 1969, entretanto, começaram a surgir diversos campeonatos e categorias novos no continente - F5000, Intersérie, Europeu de GT, Formula Super Vê, Fórmula Atlantic, DRM e o Europeu de 2 Litros. Este último parecia ter tudo para dar certo, porém, não passou de 1975.

O campeonato nasceu devido ao grande número de protótipos e carros esporte dos Grupos 6 e 5, com motores de 2 litros ou capacidade menor. Estes frequentemente disputavam as provas do Mundial de Marcas (e outras corridas de carros esporte de menor expressão), como grid fillers (para encher linguiça) e sem qualquer possibilidade de ganhar na geral. Porém, embora os 2 litros fossem rápidos, os motores de F-2 não eram muito resistentes para as longas corridas do MM. Surgiu o campeonato para acomodar as várias dezenas de carros existentes no continente, sem muito espaço ao Sol.

Em retrospectiva, bastaram as primeiras duas corridas do campeonato inaugural, em 1970, para ver os dois lados da moeda: uma corrida boa, e uma prova patética.

A corrida boa foi a primeira prova do novo campeonato. Com 30 carros na pista de Paul Ricard, foi também a primeira corrida no moderno autódromo francês. Entre outras coisas, havia certa esperança de que fábricas como a Alfa Romeo, com seu modelo 33, e a Porsche, com o 910, se interessassem em modernizar seus carros para disputar as corridas com Lola, Chevron e Abarth. Isto, obviamente, não aconteceu. As fábricas estavam mais interessadas no MM, do qual já participavam com seus modelos de 3 e 5 litros, e os poucos carros destas montadoras a participar do campeonato foram inscritos por particulares. Entretanto, no primeiro campeonato houve a equipe de fábrica da Chevron, com Brian Redman, da Abarth, e uma equipe quase oficial da Lola - a Écurie Bonnier, de Joakin Bonnier. Estas três estavam, de fato, presentes em Paul Ricard, assim como a equipe de fábrica da Ligier, com carros para Ligier e Andruet.

A próxima corrida ocorreu na longínqua Hameenlina, na Finlândia, e foi um fracasso. Apesar de haver vinte carros inscritos, só participaram, na hora "h", nove bólidos, inclusive um Porsche 911S sem qualquer chance de peitar os mais leves G5 e G6. Além disso, duas das equipes de fábrica, Chevron e Abarth, não estiveram presentes.

Ou seja, um dos principais problemas do Europeu de 2 litros desde o princípio foi a inconstância. Esta, aliada com prêmios baixíssimos, e pouco público, garantiu uma morte rápida ao campeonato, que entretanto, produzia algumas batalhas interessantes nas pistas. Para aumentar os grids, nesta primeira temporada, muitos organizadores passaram a aceitar carros de Grupo 4, que aumentaram substancialmente a diversidade nas pistas.

De fato, a diversidade foi um marco desta primeira edição do dois litros, nunca repetida nas versões posteriores.

Em termos de motores, participaram carros com motor Ford, Alfa-Romeo, BMW, BRM, Porsche, Ferrari, Renault, Novamotor, Abarth, BMC, Triump, Lancia, NSU, Opel e DKW. Sim, leram certo, DKW. Um DKW Monza participou da última corrida do ano!

Em termos de modelos, também houve grande diversidade. Alfa Romeo 33-2,  GTA 1.6 e 1.3, TZ1, Abarth 2000 S e 1000 S, Porsche 907, 906, 910, 911 e 914-6, Ligier JSS1 Ford, Chevron P16 Ford e Mazda, Chevron P8 BMW e Ford, Lola T210 Ford, Alpine A1100 1.3 e 1.6, Daren Mk Ford, Astra RNR2-Ford, Nomad Mk2 BRM, AMS-Novamotor, Focus-Ford, Actec-Porsche, Lombardi-SP, Gropa-BRM, Cox GTM-BMC 1000 P, Crossley-Ford, BMW 2002, NSU Spyder 1000 P, DKW Monza 1000P, Triumph Spitfire, Unipower-GT-Ford, Osca 1000 P, Austin Healey Sprite 1100P., Lancia Fulvia 13 e 1.6, Opel GT 1900, Jerboa 1000 BMC, MG Midget 1300P, Lotus Elan e Europa, e de Sanctis-1000P. Muita coisa. Entretanto, nas edições seguintes os concorrentes tenderam a comprar chassis Chevron e Lola, e salvo pelas Abarth, a diversidade vinha de alguma outra marca pontual, como March, Alpine e TOJ, que apareceram no ocaso do campeonato. As corridas logo passaram a parecer um campeonato Lola-Chevron.



Spa, 1970.

O fim foi terrível. Já em 1974 diversas corridas programadas foram canceladas, devido á crise do petróleo, e o calendário de 1975 foi dizimado. Após somente duas corridas, o campeonato foi dado pela FIA por encerrado. Uma pena para os brasileiros, pois o Antonio Castro Prado tinha tudo para dar certo naquele campeonato.

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami    

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O taxista de São Paulo, e muito disse não disse

RESULTADOS DE CORRIDAS BRASILEIRAS REMOVIDOS DO BLOG

DO CÉU AO INFERNO EM DUAS SEMANAS - A STOCK-CAR EM 1979