Uma história com três histórias

Nos idos de 1958 o Rio de Janeiro, apesar de ser a Capital Federal e a mais conhecida cidade brasileira, havia perdido de vez sua hegemonia no automobilismo para São Paulo. A Paulicéia tinha Interlagos, e os cariocas continuavam a fazer corridas de rua, apesar de haver muito terreno e disposição no sul da cidade para fazer um autódromo.
Naquele ano os cariocas resolveram tirar as corridas do centro ou próximas do centro, levando-as para um circuito de rua no outrora ermo bairro de Barra da Tijuca. A medida fazia sentido, pois provas em volta do Maracanã e em Botafogo causavam muitos transtornos para a cidade - além de serem muito mais perigosas.
O circuito nada tinha de inovador, de fato, era basicamente um quadrilátero sem imaginação. O nome dado, entretanto, foi inusitado: Trampolim do Pecado. Exatamente qual foi a razão do nome, não se sabe.
A corrida de inauguração desse novo circuito de rua se deu em setembro de 1958, com a realização de três corridas. A grande novidade para os cariocas, a segunda história, era a prova de Mecânica Nacional, categoria que fazia furor em São Paulo, com a qual se disputava os 500 km de Interlagos. Os carros de Mecânica Nacional eram, em geral híbridos. Chassis de monopostos europeus, ex carros de GP ou voiturette, equipados com motores americanos. A solução alongava a vida dos carros, pois era muito mais fácil manter um Bugatti com motor Corvette, do que obter peças para o carro original. Alguns carros de Mecânica Nacional eram supostamente “originais”, mas em verdade eram smosgarbord de diversos outros carros - suspensão dali, cambio d’acóla, pedaços de chassis emendados, carrocerias copiadas. A Mecânica Nacional sobreviveria até 1966, já então rebatizada Mecânica Continental.
A prova de Mecânica Nacional contou com os melhores nomes da época, inclusive um ex e um futuro piloto de F-1. Chico Landi lá estava com um Ferrari Corvette, e Fritz D’Orey corria com um Tubularte Especial, também com motor Corvette. Outros habitues da categoria levaram seus carrões para o Rio: Nelson Bastos, Vladimir Fakri, Naim Homsi, Antonio Versa, Waldemar Santilli, Luis Valente, Rosalvo Mansur, Luis Américo Margarido e outros.
Na corrida, que duraria um pouco menos de uma hora, Fritz D’Orey disparou na frente, seguido por Chico Landi. Entretanto a sorte de D’Orey durou exatamente 19 voltas, quando teve que entrar nos boxes e fazer reparos no seu carro. Landi assumiu a ponta que não perdeu mais. Tamanha era a vantagem acumulada por D’Orey, entretanto, que ainda assim chegou em segundo, seguido por Nelson Bastos, Luis Valente, Antonio Versa, Waldemar Santilli e Naim Homsi.
A última corrida da programação foi de carros esporte, força livre, carros com os quais os cariocas estavam mais acostumados. Estavam presentes dez carros, Ferraris e Maseratis, com alguns dos melhores pilotos da época: Celso Lara Barberis, Jose Gimenez Lopez, Henrique Casini, Pinheiro Pires, Arthur de Souza Casta Filho, além do novato petropolense Mario Olivetti, e os pilotos Antonio Barbosa, Vitor Levi, Florêncio Garcia e Henrique Lopes.
O começo da prova foi um acirrada batalha entre Barberis e Casini, Ferrari contra Maserati, que trocaram de posições. Curiosamente, na 18a volta (quase na 19a.) definiu-se a prova mais uma vez - quebrou o diferencial da Ferrari, e Barberis ficou a ver navios. A corrida foi, dai por diante, completamente controlada por Casini, que ganhou na frente de Gimenez Lopes(Ferrari), Vitor Levi (Maserati) e Olivetti (Ferrari).
A última prova que descreverei foi, na realidade, a primeira do programa. Explico. A narrativa é deliciosa e foi o início de um longo caso de amor. Nada de pecaminoso, como sugere o nome da pista, amor puro, quase infantil. Mas tem lá seus lances de vingança, brigas e traição, verdadeira novela.
A primeira prova do dia foi reservada a carros de até 2 litros. Por incrível que pareça, foi a prova com menos participantes, somente cinco carros. Três marcas alemãs estavam representadas nesta corrida, Borgward, VW e DKW. A curta prova de 16 minutos foi ganha por um paulista de Rio Claro, que havia recentemente feito suas primeiras provas com VW, mas resolvera trocar para o DKW. Se ainda não adivinharam quem era...Sim, adivinhou, Marinho, Mario César Camargo Filho, ele mesmo fez nessa corrida o seu debut com o DKW e sua primeira corrida em circuito.
E logo na sua estréia com o 2 tempos Marinho conseguiu algo que não atingira com os VW - a vitória geral. Ainda por cima com 32 segundos de diferença sobre Severino Silva, que pilotava um Borgward Isabela, numa curta prova de 16 minutos. Ou seja, pôs uma média de 2 segundos de diferença por volta.
Entretanto, Silva fez de tudo para melar o final desta alegre estória de amor. Protestou a vitória de Marinho, dizendo que o carro estava fora do regulamento, por não ter o banco inteiriço dianteiro e contar com uma saída opcional de escapamento. Ocorre que Marinho recebera autorização do ACB para correr desta forma, mas, como cartolas são cartolas, resolveram desclassificar o paulista, voltando atrás na sua palavra.

Marinho e DKW - começo de uma longa história de amor
Já Severino Silva foi grosseiro com o rioclarense, dirigindo-lhe palavras diretamente e demonstrando pouco espírito esportivo. Assim, a primeira prova de Marinho com o DKW, que teria sido uma vitória fácil, acabou sendo uma desclassificação. Mas o melhor estava por vir. Enquanto Marinho se tornaria um dos grandes e amados nomes do automobilismo nos anos 60, Severino Silva e seu Borgward não passam de uma pequena nota de rodapé na história do automobilismo. Quem disse que não há justiça no mundo?

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