Uma grande decepção

Estou plenamente ciente de que a inveja não é um sentimento nobre. Porém, às vezes sou dado a rompantes confessionários, e confesso aqui que estou com inveja. Estou com inveja de vocês, leitores brasileiros. Explico. Não estou com inveja das balas perdidas, da classe política gatuna, da economia recaltitrante,  das estradas caindo aos pedaços,  burocracia e tributação triturantes, do funk, do Teló, do sertanejo universitário. Trata-se de uma inveja mais simplória.

Sempre que vou ao Brasil me deleito com as diversas coleções de carrinhos que são vendidas nas bancas de jornais. Nos últimos anos, comprei caminhões antigos, carros brasileiros antigos e modernos, carros de serviço e até mesmo dois carros de Fórmula 1, de uma coleção de carros de F-1 usados por pilotos brasileiros. Sei que o brasileiro tem a mania de dizer que tudo é caro aí, porém digo-vos, o preço das miniaturas anda o olho da cara aqui fora – as miniaturas da Spark, na escala 1/43, custam geralmente uns 70 dólares, e as da Minichamps não são menos caras. Assim, achar miniaturas de boa qualidade que custam na base de 25 dólares, com revistinha e tudo, é uma boa.

Sim, vivo num país de primeiro mundo. Sei disso. Para começo de conversa, é difícil achar uma banca de jornais hoje em dia em grande parte do país. Simplesmente entraram em processo de extinção. De fato, aqui em Miami Beach só existe uma loja que tecnicamente é uma banca de jornais. Fica do outro lado da rua do meu escritório. Lá você pode encontrar farto suprimento de revistas de sacanagem, algumas revistas meia-boca de outros assuntos, mas a minha querida The Economist só encontro no aeroporto, e numa pequena seção de revistas da única livraria que sobrou na cidade. Autosport nem pensar. Até uns 6 anos atrás ele vendia a Autosport e F1 Magazine. Em Nova York ainda existem boas bancas (que aqui geralmente sempre foram lojas). O fato é que Miami Beach trata mal aqueles, que como eu, são amantes das letras.

Piorando, tento ir à Europa pelo menos uma vez por ano, e lá também, em diversos países, encontram-se essas simpáticas coleções da Altaya e Panini em bancas. Já comprei joias como um Simca antigo, um gigantesco Citroen de rally, o Ford Capri que ganhou as 24 Horas de SPA de 1978 e um lindíssimo Tyrrel 006, de uma coleção chamada F1 Car Collection, da Panini.  Na Itália, a coleção já tinha atingido um número grande de fascículos, e eu babando, me remoendo, querendo comprar tudo no ebay. Diga-se de passagem, a um preço bem melhor do que as miniaturas das lojas e sites.

Certo dia, chegando no meu escritório de manhã, justo na semana do GP dos EUA, achei que finalmente poderia me livrar da terrível inveja que corroía os mais profundos recônditos do meu ser. 

Ao abrir o site da Autosport.com, havia um vistoso anúncio que introduzia a coleção Formula 1 Car Collection nos EUA. Meus problemas estavam resolvidos! Adeus inveja. Poderia finalmente expandir minha coleção sem ter que hipotecar meu apartamento. Duas miniaturas por mês, cada uma a US$ 19,95 mais US$ 4,95 de despacho. Além disso, diversos presentinhos. A primeira miniatura custaria somente os US$ 4,95!

A primeira miniatura estava me esperando na volta da minha viagem à Europa. Uma linda McLaren de Ayrton Senna. Entusiasmado com o meu futuro, esperei vir dezembro. E janeiro, fevereiro, março…Os próximos anos da minha vida adquiriam uma dimensão diferente.
Veio dezembro. De repente, aparece no meu cartão de crédito uma cobrança de US$ 66 dólares, de uma empresa de roupas de bebê situada na Escócia. Oras, nunca tive filhos e estou com idade de ser avô, não pai. Contestei a cobrança, um óbvio erro. Pensei que tinha algo a ver com a minha assinatura das miniaturas e tentei estabelecer contato com o site. Daí, a surpresa: o site estava fora do ar! Crise!


Um belo dia, chegam as duas miniaturas de dezembro, uma Ferrari de 1976 e Mercedes de 2014. E um dos presentes. Fiquei encafifado.  

Fora do ar até meus sites ficam às vezes. Tentei entrar no site americano diversas vezes, para esclarecer a questão da cobrança errada. Emails enviados não foram respondidos, o site da Inglaterra disse nada ter a ver com o site dos EUA, e a página do Facebook também. Os sites da Inglaterra, Nova Zelândia e Austrália continuam no ar, normalmente.

Enfim, a realidade é às vezes dura, mas parece que dancei. Pelo jeito, a tal coleção não vendeu o suficiente nos EUA, e a cancelaram sem avisar ninguém. Na base do fui!

Por isso digo que, essa história de fazer dois GPs nos EUA não vai dar certo. Como não deu no passado – mais de uma vez. Mesmo com donos americanos, a F-1 tem uma base de fãs muito incipiente no país.

Portanto, caros amigos, volto à sórdida prática da inveja. Pelo jeito, permanentemente.

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