QUASES


Outro dia, publicaram uma curiosa enquete num dos grupos de automobilismo do Facebook – quem teria sido o pior piloto da F-1 até hoje. Não é necessário dizer que foram dadas muitas opiniões. Curiosamente, poucos mencionaram pilotos verdadeiramente obscuros, entre os garagistas e pay-drivers dos anos 50 a 70, entre eles, marroquinos, alemães, sul africanos e sul-americanos que disputaram uma única prova e cujos nomes ninguém lembra hoje em dia. Muitos deles tinham currículos bastante questionáveis antes de iniciar uma prova do Mundial de Pilotos. E entre outros, foram mencionados Michael Andretti, Vittorio Brambilla e Satoru Nakajima. Não tem como comparar Michael com Roelof Wunderink, ou mesmo Satoru com Hiroshi Fushida. Basta de controvérsia, o foco é outro.

Quase todo piloto com quem conversei até hoje, independente de nacionalidade, jura que poderia ter sido campeão mundial de F-1 com o carro certo. Até quem foi campeão mundial jura que poderia ter feito mais bonito na carreira… Imagino que seja um aspecto comum entre pilotos, afinal de contas, é preciso ter bastante auto-confiança e competitividade para correr nesse nível. Principalmente nos antanhos quando a morte se fazia presente com frequência.

A história do esporte está cheia de quases. Infinitos quases. Pilotos talentosos que não tiveram as chances adequadas, outros que pareciam fadados ao fracasso, e conseguiriam uma senhora e inesperada oportunidade.

Derek Bell, antes se de tornar um dos melhores pilotos de endurance do mundo, tinha lá suas ambições como piloto de monopostos. Fez boa figura na F-3 e F-2, e devidamente observado, em 1968 foi chamado para ser piloto da Ferrari, sonho de 9 em cada 10 pilotos internacionais. Infelizmente, as coisas não deram muito certo no Cavallino. Fez bons treinos, algumas corridas boas na F-2, disputou corridas de F-1 sem muito sucesso, e correu na Copa da Tasmânia em 1969. Coincidiu de ser uma das piores fases da Scuderia, e no fim de 1969, parecia que a carreira de Derek na F-1 chegava ao fim. Já deixado de lado pela Ferrari, continuou na F-2 em 1970, sendo vice-campeão da categoria. Entretanto, a própria Ferrari deu uma chance para Derek, de correr num dos seus 512 nas 24 Horas de Le Mans de 1970, sua primeira, em dupla com Ronnie Peterson. As coisas não deram muito certo nessa corrida para nenhuma Ferrari de fábrica, porém estava lançado o destino de Derek. Impressionou o suficiente para ser contratado como  piloto de John Wyer em 1971, e apesar de ter feito alguns GPs com Surtees e Tecno,  Derek resolveu mudar seu foco.  Seu último GP ocorreu em 1974.

Já o austríaco Niki Lauda, que não impressionou muito nem na F-3, nem nos protótipos, chegou na F-1 como o Marcus Ericsson de hoje –  pagando. Alugou um March para o GP do seu país, em 1971, e de novo, não impressionou ninguém. Continuou na March na F-1, na equipe oficial, como companheiro de Ronnie Peterson. De novo não impressionou muito na F-1. De fato, enquanto Ronnie era razoavelmente competitivo com um carro fraco, o 721, Niki simplesmente acumulava quilometragem. Na F-2 chegou a ganhar uma corrida, mas francamente, não parecia ter grande futuro. Em 1973 terminou na BRM, onde fez um par de corridas brilhantes, sem dúvida a melhor o GP do Canadá, onde liderou com excelentes pneus de chuva da Firestone. Ainda assim, numa época em que despontavam na categoria jovens talentos novos como James Hunt, Jody Scheckter, além de Ronnie Peterson, Emerson Fittipaldi, Carlos Pace e Carlos Reutemann, e outras promessas como Jochen Mass, Hans Stuck e Patrick Depailler, Niki parecia um tanto inconsistente e ofuscado.

Vejam como acontecem as coisas. Enzo Ferrari chamou Arturo Merzario para conversar. Apesar de não gozar de muita popularidade na Scuderia naquela altura, devido a sua desobediência nos 1000 km de Nurburgring, o velho Enzo gostava de Arturo justamente por causa dessa personalidade forte. E gostava de conversar com ele por que poucos eram os pilotos da Ferrari na época que falavam italiano naquela época. Arturo sugeriu que Enzo recontratasse Clay Regazzoni para a temporada de 1974. E foi exatamente isso que Enzo fez. Clay, por outro lado, sugeriu Lauda, seu companheiro de equipe em 1973, como seu escudeiro. E Arturo, coitado, se foi para a Iso-Marlboro.

O resto é história. O apagado, raramente brilhante Niki, tornou-se a estrela da temporada de 1974, segundo colocado já no primeiro GP e campeão em 1975, o primeiro título de ferrarista desde 1974. Pergunta. O que teria acontecido com a carreira de Lauda, se não tivesse ido para a Ferrari em 74? Digamos, se tivesse permanecido na BRM, que no final da temporada falira? Afinal de contas, era uma época em que apareciam talentos às pencas anualmente, nada de ficar quatro anos como “grid-filler”. Ou mostrava serviço rápido, ou dançava. Vejam um exemplo disso a seguir.

Um piloto que era considerado futuro campeão mundial em 1968 era o australiano Tim Schenken. Ganhou dezenas de corridas de Fórmula Ford e Fórmula Três em 1968 e 1969, e seu futuro parecia estar selado. Já piloto de F-2 em 1970, Tim foi chamado por Frank Williams para pilotar o mau amado De Tomaso, carro que matara o talentoso Piers Courage na Holanda. O substituto imediato de Courage foi Brian Redman, mas dizem que antes Frank havia convidado Emerson Fittipaldi. Sabendo disso, Colin Chapman resolveu oferecer algo mais substancial ao brasileiro, que recusou a oferta de Frank. Brian acabou se desligando rapidamente da equipe e Frank precisava de um piloto. Schenken aceitou prontamente a cadeira elétrica, afinal de contas era a F-1, e não conseguiu fazer nada na Williams. Ainda assim, conseguiu ser contratado pela Brabham para a temporada de 1971.

Jack Brabham se aposentara em 1970, e passara a equipe para o sócio, o também australiano Ron Tauranac. Foi um ano de transição. Com Tim e o ex-campeão Graham Hill, a Brabham teve uma fraquíssima temporada em 1971. A única vitória ocorreu na prova extra-campeonato Daily Express, em Silverstone, com Hill, mas Schenken conseguiu pelo menos subir ao pódio uma vez.

Sua ida para a Surtees em 1972 não rendeu frutos. O TS-9 não era um mau carro, porém ficou óbvio que o número 1 absoluto era Mike Hailwood, que chegou inclusive a obter um segundo lugar no GP da Itália, além de ganhar o Europeu de F-2. Schenken foi se apagando cada vez mais na categoria, e apesar de provar ser piloto de ponta na F-2 e nos Protótipos (era um dos pilotos da Ferrari nessa categoria e da Rondel na F-2), o ex-certamente-futuro campeão foi entrando para a lista dos “has-been”.

De fato, de 1973 para frente, Schenken fez poucos GPs, com os fracos Iso Marlboro e Trojan e teve uma última tentativa com um terceiro carro da Lotus. Seu último GP foi em 1974.

Não são só os pilotos que tiveram sorte ao estar nas equipes certas, o mesmo ocorreu com equipes que tiveram o piloto certo na hora certa. Será que a Matra ou a Tyrrell teriam ganhou campeonatos mundiais de F-1, se não tivessem um certo Jackie Stewart como piloto?

No caso da Matra, tinham um carro bom, porém, na sua curta história geralmente a equipe deu preferência para pilotos franceses e não escondiam de niguém que o objetivo era disputar a categoria com o motor Matra. Se a parceria com Tyrrell não tivesse sido forjada para 1968, com o motor Cosworth, muito provavelmente a Matra teria insistido com os gálicos Jean Pierre Beltoise, Henri Pescarolo, Johnny Servoz Gavin e Jean Pierre Jabouille, nenhum dos quais, a meu ver, teria talento suficiente para ganhar um mundial de pilotos. Quem sabe, teriam ganho uns dois GPs, mas os inúmeros sucessos de 1968 e 1969 foram, em grande parte, resultado do gênio de Stewart. Diria o mesmo da Tyrrell. Depois que Stewart se aposentou, em 1973, a Tyrrell nunca mais foi a mesma. Sim, chegou a ter uma chance matemática de ganhar um último título em 1974, porém, sempre pareceu ser a mais fraca das equipes top até o final dos anos 70, e começou o vagaroso declínio que durou duas longas décadas até ser comprada pela BAR.  Sem Stewart acho que a Tyrrell nem existiria, na verdade. Que me desculpe o defunto Ken.


São muitos quases. Inúmeros quases. Infinitos quases. A mesma sorte que levou Lauda à Ferrari e afastou Emerson da De Tomaso, faltou para Tim Schenken quando acabou na De Tomaso e para Derek Bell quando foi para a Ferrari. Os talentosos, como Schenken e Bell, acabam se sobressaindo apesar de fracassos na F-1, de uma forma ou outra. Os Lavaggi, Stuppacher e Gimax da vida viram piadas.

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