Patrocínios e patrocinadores – nem tudo que reluz é ouro


O Conde Volpi de Misurata, o filho de um ex-ministro de Mussolini, herdou uma bela grana com 24 anos de idade. Certamente gostava de carros rápidos, do burburinho das corridas, da mulherada bonita sempre presente, mas não lhe agradava a ideia de morrer cedo ou quebrar pernas em busca da glória esportiva. Sendo assim, em vez de correr iniciou uma equipe, fundou a Scuderia Serenissima, participante de inúmeras corridas dos anos 50 e 60. Foi um grande cliente da Ferrari, mas um dia se rebelou contra o fornecedor, primeiro apoiando a ATS do Carlo Chiti, e depois construindo seus próprios carros e motores que chamou, obviamente, de Serenissima. O Chico Landi chegou a anunciar à imprensa especializada que traria um desses carros para correr no Brasil – nunca trouxe – e eventualmente, um motor Sereníssima equipou durante pouco tempo o nascente McLaren de F-1. Foi o auge. A grana minguando, aliando-se aos fracassos, levaram Misurata a abandonar os circuitos e a Serenissima.

Esporte sempre caro, o automobilismo desde o princípio requereu o mecenato, para aqueles pilotos que não tinham condições financeiras de sustentar suas participações ou não tinham talento suficiente para ser contratados por fábricas. Diversos outros mecenas apareceram no curso dos anos, inclusive o inglês Rob Walker, herdeiro da Johnny Walker, o mais bem sucedido independente da F-1. Sua equipe de F-1 ganhou diversas corridas com Stirling Moss, inclusive provas do mundial, e ganhou corridas na categoria até 1968, o GP da Inglaterra com Jo Siffert. Eventualmente até para os bolsos cheios de Walker a brincadeira ficou cara, e este se associou com a equipe Surtees nos seus primeiros anos, eventualmente limitando-se a escrever sobre o esporte em revistas da Inglaterra e Estados Unidos. Outro mecenas famoso foi o conde belga Van der Straten, cuja equipe VDS ganhou corridas e campeonatos durante décadas em diversos continentes, evitando entretanto a F-1. O último mecenas à moda antiga  a ousar uma participação pesada na F-1 foi o famoso Lord Hesketh, cuja equipe permaneceu na F-1 durante três anos, sem patrocínio. Um humilde cavalo marítimo era a única decoração dos carros do rotundo Lorde. A Hesketh da época do festeiro Lorde conseguiu inclusive ganhar um GP, o da Holanda de 1975 com James Hunt.  A equipe continuou mais alguns anos, sem o Lorde, já dependente de patrocínio comercial, inclusive de revista de sacanagem (Penthouse) e papel para cigarros de maconha (Rizla).   

Patrocínio é um negócio esquisito – quem sonharia, em 1950, 1951, ver o nome Alfa-Romeo estampado numa Ferrari.

O patrocínio, como entendemos hoje, é uma prática comercial, bem diferente do mecenato. Em tese, empresas pagam uma quantia “x” para ter seus nomes estampados nos carros de corrida, capacetes, macacões de pilotos, caminhões das equipes, etc. Com isso esperam o suposto “retorno”. Nem sempre tal prática comercial é bem entendida, com certeza, é multiforme, às vezes sem sentido comercial no strictu sensu.

Em tese, o retorno é um benefício publicitário e promocional obtido pelo patrocinador.  Não é uma coisa tão nova – carros de corrida já eram vistosamente patrocinados por empresas nos EUA nos anos 30, e até no Brasil, Chico Landi pilotou durante algum tempo uma Alfa Romeo com o nome da cerveja Caracu em destaque já nos anos 40. Na F-1, o patrocínio comercial ostensivo só apareceu em 1968, embora aparecesse “escondido” em nomes de equipes – Yeoman Credit e UDT-Laystal são exemplos na fase pré-1968. Na modernidade empresários frequentemente compram equipes e usam suas empresas como patrocinadores, alguns com excelentes resultados como Benetton e Red Bull.  

A maior patrocinadora do automobilismo foi indubitavelmente a Marlboro.

Nos antanhos, quando era “gauche” estampar nomes de empresas em carros de corrida na Europa (mas não nos EUA, como vimos), as melhores equipes tinham contratos com fabricantes de pneus, componentes e petrolíferas, que ajudavam a financiar os salários de pilotos. Em alguns casos, muitos pilotos da Ferrari, por exemplo, nunca tiveram contrato com a Scuderia em si, mas com a Shell.   

Na forma mais compreensível, uma empresa investe numa equipe (ou piloto) visando o tal retorno publicitário em forma de aumento de vendas, entrada dem diferentes mercados e fixação de marca. Nesses casos, o patrocinador obviamente espera mensurar os resultados do seu investimento em ganho financeiro ou volume de vendas. Geralmente, quando uma equipe procura uma empresa como patrocinador, a proposta promete retornos delirantes que, na maioria das vezes, não ocorre. Faz parte do jogo. Afinal de contas, o retorno geralmente é compatível com o grau de sucesso da empreitada, principalmente na fase televisiva do esporte e a maioria dos carros mal aparece na TV – que o digam os retardatários.   

Em alguns casos, patrocinadores têm usado o automobilismo como veículo publicitário por que a publicidade dos seus produtos é vedada de forma direta em mídia impressa e eletrônica. O caso mais gritante é o setor tabagista (agora completamente banido do esporte no mundo inteiro), mas outros casos pertinentes são as bebidas alcoólicas e o setor farmacêutico. Até funerároa já patrocinou um carro de F-1 – um pequeno decalque num dos carros de Arturo Merzario em 1979.

O sucesso de um patrocinador frequentemente tem a ver com a intensidade de merchandising e publicidade realizados nas pistas e fora delas. O patrocinador que espera um retorno só porque seus decalques aparecem em carros muitas vezes está jogando dinheiro fora, principalmente se não patrocina carros de ponta. Ações em pontos de venda, cartazes, pacotes de produtos, distribuição de brindes, exposição de carros em shoppings, anúncios em diversas mídias, aumentam sobremaneira o retorno e valorizam o investimento, embora obviamente aumentem o custo. Infelizmente, nem sempre os patrocinadores gastam para fortalecer esses investimentos, e interrompem sua participação depois de algumas – à vezes só uma - frustrantes temporadas.

Existe também a vulga publicidade institucional, cujo objetivo não é gerar negócios diretamente, mas sim promover a imagem de uma empresa, aliando-a a um esporte supostamente de elite. Essas empresas geralmente têm departamentos de marketing sofisticados, e mensuram os resultados de uma forma diferente. Um mineradora não vai vender mais minério de ferro por que patrocina uma equipe, seja qual for a categoria.

Há outras razões que levam o envolvimento de patrocinadores, algo que passa despercebido de algumas pessoas que só entendem o patrocínio de resultado. Há geralmente um ângulo semiótico nesse tipo de patrocínio.

Por exemplo, orgulho nacional. Governos têm investido dinheiro no esporte há anos, de forma direta, com verbas governamentais, ou às vezes, através de estatais. Um exemplo mais antigo foi o investimento feito pelo governo da Argentina na carreira de Fangio nos anos 40. Já nos anos 70, a inscrição “Argentine meat” (Carne da Argentina) apareceu nos carros de Carlos Reutemann durante duas temporadas, e Café do Brasil nos carros e capacetes de diversos pilotos brasileiros, através do defunto (e diga-se de passagem, inepto, IBC). Mais recentemente, PDVSA, Petroleos de Venezuela S.A. financiou a carreira de diversos venezuelanos na Europa e Estados Unidos. Cabe notar que a marca PDVSA nada significa lá fora – o petróleo venezuelano é vendido no mundo inteiro, mas não sob a marca PDVSA. (A empresa, entretanto, tem a marca Citgo nos EUA, que durante muitos anos patrocinou equipes de Nascar, entre outros). Tal patrocínio requer influência política dos patrocinados, e às vezes, um posicionamento político compatível.

Às vezes, certos países entram no automobilismo como patrocinadores visando melhorar sua imagem internacional. Um caso típico foi o pacote de patrocinadores sauditas que financiaram a Williams no final dos anos 70, início dos anos 80 (Saudia, Albilab, TAG, e até Bin Laden – sim, empresa da família do terrorista, uma grande empreiteira saudita). A Arábia Saudita já tinha muito dinheiro naquela época, porém sua imagem internacional era de país retrógrado, que só abolira a escravidão em 1962, por exemplo. Recentemente, o envolvimento da Petronas na F-1 nada teve com a participação de pilotos malaios, mas sim, de alavancar uma imagem mais positiva para o país de modo geral.  

Montadoras frequentemente usam o esporte para promover seus produtos, na forma de  equipes, como óbvios parceiros técnicos, às vezes como meros patrocinadores. Por exemplo, Leyland Trucks patrocinou a Toleman nos anos 80, e a Aston Martin patrocina a Red Bull na atualidade, sem nenhum vínculo além do comercial. Já a Iso-Rivolta, que patrocinou a equipe de Frank Williams em 1973 e 1974, deu-lhe um homérico calote em 1974, quando já estava em processo falimentar.

O patrocínio, principalmente em categorias mais baratas, frequentemente ocorre por vínculos de amizade ou de parentesco entre patrocinador e patrocinado. Ou seja, o patrocinador pouco ou nada espera do seu patrocínio, além da satisfação de ajudar uma pessoa querida. Em alguns casos, principalmente em categorias mais baratas, o patrocinador é movido simplesmente por vaidade – também não espera nada da ação, além de aparecer.

Um caso curioso ocorreu no GP da Argentina de 1972. Naquela época, quem pagava 70% das contas do automobilismo argentino de ponta era a estatal YPF. E foi ela quem patrocinou o primeiro GP de F1 oficial realizado no país desde 1960. Como exigência, todos participantes tiveram que divulgar com proeminência o nome da YPF no círculo que continha seus números. Assim, deu-se a o inusitado – exceto pelo carro de Reutemann, todos os carros continham patrocínio de duas petrolíferas. De fato, frequentemente os carros que participam de certos campeonatos e corridas se vêm forçados a divulgar stickers dos patrocinadores destas, sem ganhar diretamente nada por isso .

Agora passemos a um aspecto mais nebuloso do assunto.

Sem dar nome aos bois – e vacas, o patrocínio no automobilismo de competição tem sido usado por razões escusas, porém pragmáticas. É  sabido, ou pelo menos desconfiado, que uma quantidade razoável de dinheiro usado para patrocinar equipes vem de lavagem de dinheiro ou atividades ilegais, e não é de hoje. De fato, alguns donos de equipe de F1 e outras categorias de diversos países que começaram como patrocinadores terminaram na cadeia. Aqui o leitor tem que entender o que vem a ser a lavagem de dinheiro. Geralmente, associa-se a lavagem a dinheiro de drogas ou tráfico de armas. Entretanto, frequentemente, a lavagem de dinheiro também se relaciona à política, mera sonegação de impostos, contabilidade criativa ou evasão de políticas cambiais. O truque consiste de transformar o dinheiro obtido ou insuficientemente declarado (ou omitido) ilegalmente em dinheiro legal. Por exemplo: o “patrocinador” tem dinheiro num paraíso fiscal ou país com tributação baixa, e o usa para o patrocínio. Contabiliza criativamente o custo no seu país de origem ou domicílio, assim lavando o capital. Em muitos desses casos, o valor declarado do patrocínio, e o efetivamente pago diferem. Essa ‘e só uma variedade hipotética – há diversas outras. Como o automobilismo envolve somas estratosféricas, já foi usado como veículo para lavagem, antes mesmo dessa atividade ser batizada. Na maioria dos casos as equipes e seus donos são inocentes, mas nem sempre.

Nos anos 70, 80, diversos países tinham políticas cambiais severas. Mandar dinheiro para fora exigia um esforço hercúleo, restrições, burocracia e taxas absurdas. Houve casos em que somente parte dos milhões ou milhares de dólares de patrocínio declarado em um país era usada na atividade esportiva em si, afinal a justificativa legal da remessa dos fundos – outra parte acabava nas contas do próprio patrocinador no exterior.  Há muitas discrepâncias entre os valores declarados por pilotos para participar de corridas no exterior.  

Há casos também nos quais o patrocínio foi usado para dar uma imagem de pujança e potência econômica a empresas que estavam tecnicamente quebradas há anos, apresentando balanços maquiados e declarando lucros inexistentes. Com o vistoso patrocínio, transmite-se ao mercado uma imagem de solidez inexistente.  Parece coisa de novela das 9, porém, acreditem, aconteceu e acontece.


Por último, hoje em dia há o intencionado gofundme.com, mas que me consta, ninguém conseguiu até hoje patrocínio pleno para disputar o esporte recebendo caraminguás de  milhares de pessoas.  Quem sabe um dia... 

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