Morre o Rei da Montanha

Não se trata propriamente de uma notícia, afinal de contas o fato ocorreu há mais de três semanas. Mas, como este não é um blog noticioso, nunca foi, nunca será, vamos lá. Convenhamos que nem mesmo o mais ávido fã brasileiro de automobilismo provavelmente conhece este Rei, salvo por aqueles com conhecimento enciclopédico do Mundial de Marcas, que certamente reconhecerão o nome Mauro Nesti entre os participantes das corridas em Monza e Targa Floio nos anos 70.

Ocorre que Mauro Nesti foi incontestavelmente o Rei das Montanhas. Campeão do Europeu de Montanhas nove vezes (inclusive seis vezes seguidas entre 1983 a 1988) e dezessete vezes campeão italiano da modalidade (inclusive onze vezes seguidas entre 1973 a 1983), Nesti põe no chinelo alguns dos recordes atuais. Sem contar 450 vitórias, incluindo diversas em pistas normais, e 205 vitórias somente no italiano. Se o número parece inflado pense duas vezes. Basta ler edições da Autosprint dos anos 70 e 80, e constatar que quase todas as semanas havia corridas de subida de montanha, às vezes duas, e o nome de Nesti aparecia como vencedor com uma irritante frequência para seus concorrentes.

Alguns dirão que corridas de subida de montanha não são verdadeiro automobilismo, por serem provas contra o relógio. Esquecem-se que muitos pilotos de F1 dos anos 30 a 70, como Hans Stuck pai, Wolfgang Von Trips, Arturo Merzario, Lorenzo Bandini, Lodovico Scarfiotti e Rolf Stommelen  começaram suas carreiras nas montanhas. E que subir montanhas com precipícios e perigos diversos a cada curva, a 160 km por hora, às vezes sem guard-rail, não é coisa para qualquer um. Que nos anos 60, Porsche e Ferrari alinhavam equipe de fábrica no Europeu, e de fato, a Ferrari participou deste campeonato até 1969. É bem verdade que com a saída da última equipe de fábrica do campeonato, a Abarth, em 1971, o campeonato perdeu um pouco do seu prestígio. Porém, era um campeonato da FIA, e no mesmo ano de 1971, François Cevert, já piloto de F1, ganhou uma das corridas do campeonato.

O instrumento usado por Nesti nesta sua longa carreira foi uma diversidade de protótipos com motores de dois litros, March, Lola, Chevron, Osella e Lucchini. Nesti provavelmene era o único piloto das montanhas que ganhava uma grana por fora para participar das provas, tamanho seu prestígio.

Além de todos estes recordes, Nesti provavelmente detém o recorde de mais longa associação com um patrocinador, a Cebora, que o apoiou desde 1972 até a sua aposentadoria.

Nesti morreu aos 78 anos, após uma grave doença. Quis ser cremado, porém exigiu que no seu ato fúnebre estivesse vestido com seu macacão de corridas. E fora da igreja onde ocorreu o ato, um dos bólidos azuis do piloto foi acelerado com força, para a despedida do Rei das Montanhas.      
       



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Mauro Nesti, 1935-2013

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami

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