Dois pilotos franceses, algumas coisas em comum, outras nem tanto

Já perdi a conta de quantos pilotos já correram na Fórmula 1, mas imagino que o número se situe entre 600 e 700. Dentre estes poucos, conseguiram a façanha de marcar pontos no seu primeiro e último GP. No caso do protagonista deste post, sua façanha foi mais rara ainda por que ele participou da categoria nos anos 50, quando só marcavam pontos os 5 primeiros, não era a festa dos dias de hoje. Além disso, teve uma carreira longa nos GPs para o padrão da época, disputando 38 GPs, a grande maioria com carros preparados por ele mesmo. Outra curiosidade - foi um dos pilotos presentes no primeiro GP do Mundial de Pilotos.

O francês Louis Rosier não é lembrado por muitos, mas na realidade, fez bastante coisa. Foi um dos diversos pilotos cuja carreira foi interrompida pela Segunda-Guerra Mundial, porém, findo o conflito, Rosier, garagista em Clermont-Ferrand, estava de volta nas pistas.

Rosier foi o mais bem sucedido piloto dos Talbot-Lago T26C que participaram em números razoáveis nos dois primeiros campeonatos mundiais. Não ganhou nenhum GP oficial, porém ganhou o GP da Bélgica de 1949 com o carro de 4,5 litros, e os GPs da Holanda de 1950 e 1951, além de diversas outras corridas. Foi o único piloto a subir no pódium pilotando os Talbot, obtendo terceiros lugares nos GPs da Bélgica e da Suíça de 1950. Ao todo marcou 18 pontos, porém, só pilotou carros de fábrica em quatro ocasiões. Terminou sua carreira na F1 com uma Maserati 250F, na qual obteve o 5o lugar em Nurburgring, em 1956, tendo durante três temporadas corrido com Ferraris.

Porém, o maior feito de Rosier foi ter ganho as 24 Horas de Le Mans de 1950, com o mesmo Talbot de GP, acrescido de para-lamas e pneus sobressalentes. Fez uma coisa que seria impossível hoje em dia - correu quase sozinho. Hoje corre-se em trios em Le Mans, na época, em duplas. Porém, Rosier disputou a corrida de 1950 com seu filho, que não era grande coisa. Liderou grande parte da corrida, e pilotou a maior parte dl tempo. Algumas fontes dizem que Rosier Junior pilotou somente um curto "stint", no meio da corrida, inclusive reportagens da época dizem isso. Outras dizem que ele pilotou aproximadamente 20 horas. Seja como for, hoje seria impossível (e contra o regulamento) um piloto correr tantas horas assim, que seja 20! Rosier levou o caneco para sua garagem. No ano seguinte, seu companheiro de equipe seria nada menos do que Fangio, já na época um dos dois melhores pilotos de F1. Curiosamente, as coisas não foram tão bem para a dupla.

Em 1952 um outro francês quase quebra o recorde de Rosier, pilotando justamente um Talbot-Lago 26C. O piloto foi Pierre Levegh, que como Rosier já corria antes da Guerra, tendo inclusive participado das 24 Horas, justamente com um Talbot. E foi com um Talbot igual ao de Rosier que Levegh participou de seis GPs, em 1950 e 1951, com o melhor resultado sétimo no GP belga de 1950.

Após chegar em quarto nas 24 Horas de 1951, Levegh (na realidade, Pierre Bouillon) resolveu preparar seu próprio carro, gastando dinheiro que não tinha. Entretanto, na corrida as coisas foram melhorando, e após correr atrás do Gordini de Manzon e Behra, que quebrou, Levegh e seu co-piloto Marchand se acharam na liderança.no meio da corrida, seguidos de duas Mercedes de fábrica.

Sem dúvida entusiasmado com a inusitada performance, Levegh permaneceu na direção, e não deixou Marchand pilotar. As horas foram passando, 19, 20, 21, e com 22 e poucas horas, Levegh ainda estava na frente. Há quem diga que ele tinha suas reservas com relação ao motor, e não queria que o companheiro fosse culpado por uma possível falha mecânica. Quiçás não confiava que seu co-piloto conseguiria se manter na frente das viaturas de Stuttgat, pilotadas com precisão teutônica por Helfrich e Niedermayer, e Lang e Riess. O mais provável é que o cansaço tenha tomado conta do piloto, que já tinha 45 anos e depois de mais de 11 horas na liderança, o francês, que corria sem conta-giros, errou uma mudança de marcha e danificou o motor.  Uma horinha mais e Levegh teria ganho. Não ganhou, e ainda por cima, teve que ceder a liderança a dois carros alemães, pilotados por alemães.

Não foi o final da história. Quem sabe para tirar o gostinho azedo que havia ficado na boca de Levegh, a mesma Mercedes-Benz o contratou para pilotar um dos seus carros nas 24 Horas de 1955, com o americano John Fitch. Infelizmente, a coisa não terminou bem. Levegh acabou protagonizando o pior acidente da história do automobilismo, quando seu carro e o de Lance Macklin se chocaram, matando o piloto e mais de 90 pessoas. O acidente causou não só a desistência da corrida, que liderava com Moss e Fangio, mas também do automobilismo de alto nível durante muitos anos. Também foram canceladas muitas corridas naquele ano, e a Suiça proibiu corridas de pista, proibição que permanece até hoje.

Quanto a Rosier, a coisa também não terminou bem. Na chuvosa Coupe de Salon, em Monthlery, pista onde havia ganho os 1000 km um pouco antes, Rosier capotou sua Ferrari. O piloto de 51 anos sucumbiu dos ferimentos, e a França perdia mais um piloto.

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo, baseado em Miami

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