Lenga lenga

Às vezes acho que muitas pessoas têm uma visão irreal do automobilismo. No fundo, ele é o que é hoje, era o que era antes. E assim deve ser. É possível que muita gente tenha assistido mais episódios do Speed Racer do que deviam, ou então visto muitos filmes sobre o assunto, onde as disputas são sempre muito mais acirradas do que a realidade.

No final desta temporada que passou, a grande preocupação foi o domínio quase completo de Sebastian Vettel. Só que algum tempinho antes, meio mundo reclamava da artificialidade causada pelo DRS. Os mais afoitos declaravam o fim da Fórmula 1, o fim do "braço".

Pois agora há quem festeje o possível festival de quebras do início da temporada 2014 da F1, com a maior mudança de regulamento dos últimos anos. Entre outras coisas, o limite de combustível que poderá ser usado pelos carros numa corrida causará dores de cabeça. Ou seja, haverá um grupoceização da F1. Ou seja, o pessoal reclama de uma artificialidade "x", e acha linda a artificialidade "y". É verdade que o regulamento não foi mudado para haver muitos abandonos, diga-se de passagem, cada vez mais raros na F1. Porém, se os abandonos ocorrerem, seria um "benefício" adicional.

Acabo de ler o excelente livro sobre a temporada de 1967 do Chris Amon na F1, escrito por John Julian. Entre outras coisas, o livro contextualiza a F1 com aquele tempo, com Sgt. Peppers, as loucas modas produzidas por Carnaby Street, até mesmo a política mundial e acidentes ocorridos na prosaica Nova Zelândia, país de origem de Amon e do campeão mundial daquele ano, Denis Hulme.

Porém, o livro também fala de automobilismo, não só de o fato de Mauro Forghieri ter se desapontado quando Jonathan Williams não conseguiu traduzir a letra de "Wither Shade of Pale", um dos sucesso da época, para o italiano. Mostra como as coisas eram bastante mais simples nas pistas, com fotos e texto. E como a morte estava sempre rondando os autódromos.

Lendo sobre aquela temporada mais uma vez, algo fica claro. Se os carros fossem tão confiáveis naquela época quanto os atuais, Jim Clark teria ganho todos os GPs depois do motor Cosworth ter estreado na Holanda! Com certeza, não seriam os Brabham Repco com uns 300 e poucos HP que segurariam Clark. E quem sabe Clark teria perdido muito poucos dos seus 72 GPs, mesmo na época do Climax. Seria quase imbatível, na minha humilde opinião.

E quem sabe, ninguém teria segurado Ronnie Peterson em 1973 e Niki Lauda em 1974, não fossem os pecadilhos mecânicos da Lotus e Ferrari naqueles anos. Muito daquilo que hoje vemos, romântica e ingenuamente, como grande competitividade de outrora, nada mais era do que a dificuldade de terminar corridas, pois os carros quebravam com muita frequência. Muita gente nunca teria sequer marcado pontos na vida, e outros tantos não teriam ganho corridas (e campeonatos), não fosse o quebra-quebra.

Sendo assim, é pelo menos curioso que alguns achem maravilhosa a possibilidade de "colpo di scena" da nova F1, com muitos abandonos nas primeiras corridas, e outras panes secas até que as equipes obtenham, nas pistas e longe dos seus simuladores, dados suficientes para entender os novos carros.

O que, no fundo, pode durar não mais do que seis GPs.

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami

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