Nada novo embaixo do céu, ou os ciclos da vida

O livro de Eclesiastes, da Bíblia, diz que não há nada novo embaixo do céu. Para os que não acreditam em livros sacros, os compêndios de macroeconomia nos ensinam que há ciclos econômicos, o que nos ajuda a entender porque esperar prosperidade constante é uma falácia. Os ciclos vêm, causados por intempéries, guerras, especulação, falta de demanda com alta oferta, falta de oferta, etc.

Assim, lendo um outro terceiro livro, uma edição do anuário Autocourse dos anos 70, o analista preconizava uma grande crise para o automobilismo europeu na época, por um singelo fato - um excesso de categorias.

De fato, no finalzinho da década de 60, existiam poucas categorias e sequer campeonatos na Europa. Tinha a F1, o Europeu de F2, Mundial de Marcas, o Europeu de Turismo, o BTCC, o Europeu de Montanha, a F3 inglesa e francesa.    Quando um piloto queria chegar à F1, basicamente entrava na F3, ficava alguns anos, depois subia para a F2, e depois esperava a chance na grande categoria.

Nos primeiros anos da  década de 70, houve uma imensa proliferação de categorias. A F5000 (iniciada em 1969), surgiram campeonatos de F3 em outros países, a Fórmula Ford se firmou com campeonatos em diversos países. Veio a Fórmula Atlantic, a Super-Vê, com campeonato europeu e alemão, a Formula Itália e a Fórmula Renault. Sem contar o Europeu de Protótipos 2 Litros, a Intersérie, o Europeu de GT, o DRM na Alemanha.

De repente, criaram-se diversos caminhos. Um piloto podia começar na FF, na Super Vê, na F-Italia ou na Formula Renault. Poderia pular a F3, ir direto para a F2, ou para a Formula Atlantic, afinal, quem não gosta de novidade?. Ou então, podia correr nos protótipos 2 litros, uma categoria não muito cara, ir para a Formula 5000, fazer algumas corridas de Interserie, e assim chegar à F1.

Para o torcedor, quanto mais, melhor! Só que existe outra teoria econômica, de que um número muito grande de concorrentes não é sustentável em um determinado setor a longo prazo, e pouco a pouco, os mais fracos vão morrendo. Basta algum fato externo sério ocorrer para matar diversos fracos concorrentes de uma tacada só.

E foi justamente o que ocorreu em 1974. De acordo com as previsões do bem informado e perspicaz analista da Autocourse, começou um processo de morte de diversas categorias e campeonatos, em alguns casos metamorfose. Num curto espaço de tempo, se foram aos ares o Europeu de GT e Europeu de 2 Litros, a Fórmula 5000 (que se transformou em G8, com carros de F1 e F2), a Fórmula Atlantic inglesa. A Intersérie virou uma piada de mal gosto, e o Europeu de Montanha, também.

A F3 inglesa quase que foi para o quiabo em 1974. O regulamento da fórmula fora trocado duas vezes num curto espaço de tempo. Os motores passaram de 1 litro para 1,6, em 1971, e para 2 litros em 1974. De repente, pelo menos na cabeça dos desavisados, não havia mais diferença entre a F3 e a F2, que também tinha 2 litros. O fato é que havia, muita diferença.

Com a crise do petróleo, que resultou no cancelamento de muitas corridas na Europa, a F2 ficou com grids razoáveis. A F3 inglesa, entretanto, que nos anos anteriores tinha até 100 inscritos em provas mais importantes,  teve grids de 10 carros na maior parte do ano.

Eventualmente, a F3 se safou, sobreviveu o embate, só que nunca mais voltou a ser o que era.

Hoje, a F3 está num processo análogo, o ciclo, a história se repete, e não há nada novo embaixo do sol como dizia o Rei Salomão.

Simplesmente, há muitas categorias e campeonatos de automobilismo na Europa, principalmente as categorias de base. É verdade que a F2 já entrou pelo cano, assim como se foram a Super League e a A1GP, em temporadas recentes. Ainda há muita gordura a queimar.

É verdade que hoje, a clientela se expandiu. Há pilotos correndo na Europa de mais de 50 nacionalidades diferentes, ao passo que nos anos 70, de modo geral, havia pilotos de 20 países. Ainda assim, não há lugar para todas estas categorias.

Resta saber se existe razão de ser das mesmas. A existência de dez categorias com uma dúzia de carros nos grids, parece ser criar a ilusão de existir talento onde não há. Pilotos que provavelmente nunca seriam campeões numa bem fornida F3, se tornam campeões em categorias menores, fazendo onda nos seus respectivos países como se fossem futuros Vettel. Depois dão com a cara na porta.
     
Assim, como em 1974, quase quarenta anos depois, a F3 britânica, que revelou nossos três campeões mundiais, está na UTI. Um micro-calendário de somente quatro eventos, sem corridas em Oulton Park, Snetterton, Donington e Paul Ricard. Quem diria.

Torçamos para que a F3 inglesa sobreviva este baque.

Carlos de Paula é tradutor, escritor, e historiador de automobilismo, e apesar do que dizem os outros, otimista.  

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