A "compra" da HRT e uma grande-pequena ironia

Eis um fato. Os dois últimos projetos norte-americanos (dos EUA ou Canadá) na Fórmula 1 foram retumbantes fracassos. Foram estes a equipe USF1 e a fábrica de motor PURE, de Craig Pollock. Antes disso, o mesmo Pollock tivera sua proposta de entrada na F1 rejeitada em 2008.

Os dois projetos tiveram algo em comum - muita ingenuidade. Segui bastante a evolução do USF1, se é que podemos chamar aquilo de evolução, e cheguei à conclusão logo no começo que não era um projeto sério. O próprio fato de o piloto designado ter sido o inexperiente José Maria Lopez dava indícios de que o projeto não gozava de qualquer respaldo nos EUA, de onde deveria sair o dinheiro para financiamento do projeto. Quanto à fábrica de motores PURE, já estava acostumado com as estrepolias megalomaníacas de Pollock e nem prestei muita atenção. O projeto morreu um ano após ser anunciado, por óbvia falta de grana.

Assim que, a ressurreição da HRT pelo grupo canadense-americano Scorpion Racing me parece fadada ao fracasso, assim como foi a compra dos restos mortais da Toyota por um ricaço sérvio, cujo nome nem me recordo mais. Segundo as últimas informações, a reavidada HRT, obviamente com nome novo, apareceria somente em 2014. Ou seja, se em três temporadas seguidas a equipe foi piorando, já imaginou parada uma temporada? É a mesma coisa que comprar um terreno minado. Se o comprador fosse uma Penske ou Ganassi, daria crédito, porém...

Daí me lembrei de um fato curioso. Por volta de 1973, o Campeonato Mundial de Marcas era um curioso aglomerado de corridas de longa duração em dois continentes, que nunca contavam com o mesmo plantel. A lista de inscritos variava de prova para prova, de fato, de 76 na largada na Targa Florio até 18 carros na corrida com menos carros no grid. Compartilhavam as pistas colossos do automobilismo mundial, como Ferrari e Matra-Simca, a carros literalmente construídos e mantidos no fundo de quintal, com pilotos de pouquíssima velocidade e experiência. Bem diferente do mundo das corridas atual, no qual as listas de inscritos são geralmente constantes.

A corrida do campeonato que historicamente tinha menos inscritos era os 1000 km de Oesterreichring, na Áustria, geralmente no final do campeonato, quando as coisas já estavam bastante decididas, e os orçamentos de diversas equipes já estavam estourados. Nessa corrida, vez por outra, apareciam alguns loucos com algum carro nunca dantes visto, com garantia de largar devido aos poucos inscritos. Naquele ano, os organizadores só aceitaram protótipos, nada de GTs ou carros do Grupo 2.

Em 1973, com somente 18 carros aparecendo para os treinos, a corrida era um prato cheio para uma equipe chamada Promoto, que inscreveu o carro 26 para a dupla Ed McDonough/John Blanckley. Um raro carro, tão raro que apesar de buscas incessantes na Internet, não achei sequer uma foto do dito cujo. Seu nome Scorpion JB-4 Ford (motor de 2 litros).

Com tão pouca gente no grid, o Scorpion conseguiu ser o carro mais constante da prova. Fez o pior tempo nos treinos, andou sempre atrás, e era tão vagaroso que acabou sendo desqualificado. Nunca mais se ouviu falar do Scorpion JB4, exceto na mesma corrida no ano seguinte, na qual deu vexame de novo..

De uma coisa me lembro. O esforço foi tão pateticamente mal sucedido que o jornalista Lemyr Martins escreveu uma poética matéria sobre o Scorpion numa revista Placar da época. Se não me engano, a matéria tinha pelo menos uma foto do bólido. Como não vejo um exemplar desta revista há quase quarenta anos, não posso jurar que já vi uma foto do pobrecito Scorpion JB-4, que, cabe frisar, não tem nenhum relacionamento com a Scorpion Racing atual.

Fica aqui a ironia. O Scorpion de quarenta anos atrás deu um senhor vexame. Que esperar deste novo Scorpion?

Carlos de Paula é tradutor, escritor, e historiador de automobilismo, e dizem que tem uma memória muito boa.

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