Opiniões furadas

Hoje em dia sou quase um ex-blogueiro de automobilismo. Diríamos que estou em sabático. Realmente me sobra muito pouco tempo para escrever sobre o esporte. Esporte que ainda amo, podem ficar tranquilos.

Tenho seguido com bastante interesse os acontecimentos recentes. E querendo ou não acabo lendo as quilométricas discussões em grupos de Facebook e fico abismado com o que leio, sem participar por que não sou bobo! Vou me concentrar em dois assuntos. Sebastian Vettel e os chorões - montadoras que só pensam em ganhar.

Nos grupos do FB, frequentemente aparecem pessoas cujo conhecimento da história do automobilismo é um tanto curto. Diria que dura um GP. Logo esquecem de do ano passado, de dois, três, dez anos atrás. Que dizer de quarenta? Culpo isso à forma como seguimos o automobilismo hoje em dia. Antigamente, assistíamos os GPs (sou suficientemente antigo para lembrar da época em que poucos GPs ainda eram transmitidos), e depois líamos nas revistas, que muitos de nós guardávamos. E líamos a mesma reportagem, dez, vinte vezes, depois comprávamos anuários e líamos mais um pouco. Hoje, o GP passa na TV, revistas quase não há, e no dia seguinte a corrida já era. Duas semanas depois, outro GP, mesma coisa.

Sendo assim, não é à toa que muita gente adora dizer que o Michael Schumacher era um impostor, não corria nada, pois  devem se lembrar somente da sua época na Mercedes. Analogamente muitos caíram em cima de Vettel, no ano passado, chamando-o também de impostor, apesar de o alemão ter ganho quatro campeonatos seguidos .

Não vou elaborar. O tetra campeão deu o recado no domingo, e não acho que foi um incidente isolado. A Mercedes provavelmente ainda vai ganhar neste ano, mas vai suar um pouco.

Um aparte - tem gente que adora dizer que grandes pilotos e carros eram uma porcaria, e daí citam pilotos desconhecidos e carros suspeitos como se fossem bons, para mostrar que "conhecem o assunto". "Fulano X era melhor que o Senna, o carro Y era muito melhor que a Ferrari, só não tinham grana". Viajam na maionese, mas como se trata do subjetivo, alguns acatam tais opiniões como se fossem válidas. Não há dúvidas que muitos pilotos maravilhosos nem chegaram na F1, mas daí a dizer que eram melhores do que os monstros sagrados do esporte me parece besteira.  

Depois tem gente que adora criticar montadoras que ameaçam sair do esporte, simplesmente por que não estão mais ganhando (ou nunca ganharam), chamando-as de choronas, etc .

Aí não se trata somente de somente ignorância do automobilismo, mas também, de economia e negócios. Com muitas pitadas de falta de senso comum.

A Renault está sendo chamada de chorona, por que ameaçou sair da F1. Nada mais normal na situação atual, em que o motor Mercedes domina, e o da Ferrari com certeza passou o da Renault em desempenho.

Examinemos com lupa. O que a Renault tem a perder, se não ganha na F1?

Muita coisa.

A Mercedes ainda é uma marca premium. Sim, conseguiu expandir um pouco seu mercado para o público que quer performance, porém, quem compra Mercedes quer prestígio, e de certa forma, se lixa para a F1. Somente estando na F1, a Mercedes já supera suas duas grandes rivais, Audi e BMW, que estão de fora, e vende seus carrões (e veículos comerciais) com grande margem de lucro no mundo inteiro.

A Ferrari é uma marca de super carros. Francamente, pouco também importa comercialmente se a Ferrari deixar de ganhar GPs, pois o cara que compra uma Ferrari tem que ter um bolso bem cheio, e também quer prestígio, e no fundo se lixa para a F1. Quer impressionar os outros, principalmente mulheres. E os carros da Ferrari também têm uma margem para lá de gorda.

Deixemos a Honda de lado.

E a Renault? A Renault não produz nem super-carros, nem carros premium. De fato, produz carros básicos, com margem baixíssima e tem forte concorrência no mercado mundial. Ela não tem que convencer algumas centenas de milhares de endinheirados que compram Mercedes e Ferrari, e sim centenas de milhões de pessoas que têm que escolher entre dezenas de outras marcas. Ganhar para a Renault é muito mais necessário do que para a Ferrari e Mercedes, sob o ponto de vista de marketing, pois ela tem que justificar que seus econoboxes são produzidos por uma empresa diferenciada. O sujeito que compra um Renaultzinho quase pé-de-boi gosta de pensar que a fábrica do seu carro bateu nas pistas a Ferrari que o passou voando na estrada e o polidíssimo Mercedes que estacionou do seu lado na garagem. E a empresa que justificar o custo imenso de participar na F1.

A Renault simplesmente não pode pagar mico na F1, a Mercedes e ferrari até podem.

Não teria sido o primeira fabricante de motores a sair da F1 quando um outro motor se tornou hegemônico. O motor Cosworth, que estreou na F1 em 1967, ganhou seu primeiro campeonato em 1968, e no terceiro, ganhou todas as corridas! Seu dominio levou embora os motores Honda, Repco, Maserati, Weslake, Sereníssima, e por muito pouco não leva também o BRM e Ferrari, pois esta última chegou a ponderar um sabático do mundo dos GPs.

Notem, entretanto, que são épocas diferentes. Naquela época, pouca gente seguia GPs, que sequer eram transmitidos por TV. Comercialmente, o esporte era pouco explorado, embora vez por outra aparecesse algum anúncio com monopostos até mesmo em revistas não especializadas, principalmente anúncios de gasolina, óleo e peças para carros. No caso do motor Cosworth, patrocinado pela Ford, esta era a única grande montadora no palco na F1 da época. A Honda engatinhava na produção de carros, a Maserati ia bem mal das pernas, muito obrigado, e os outros fabricantes eram especialistas em corridas.

A Renault, por bem, por mal, obtém alguma expressão fornecendo motores para a GP2  e Fórmula E, sem qualquer concorrência.

Na realidade, o torcedor gostaria que as montadoras pensassem como eles, e que realmente estão ali só pela disputa. Não estão, nunca estiveram, nunca estarão. Poucos foram os campeonatos disputados por um número grande de montadoras até hoje. No máximo, 3 ou 4 se digladiam nas pistas. Há uns 20 anos atrás,  houve um campeonato com muitas montadoras, o BTCC dos anos 90. Geralmente, após ganhar campeonatos, a montadora vencedora se mandava, tendo cumprido seu objetivo, e outras que não ganhavam nada, também saíam de banda . Depois de atingir o plantel de 10 marcas diferentes por volta de 1994, no final da década não sobrou quase ninguém e o campeonato foi à míngua.

Para um Conselho de Administração de uma montadora aprovar um orçamento de centenas de milhões de dólares para estar na F1, é preciso ganhar, ou pelo menos disputar mano-a-mano.

Também não me supreende a Red Bull falar em sair do esporte. Red Bull não é uma Mclaren ou Williams, empresas que surgiram no automobilismo com gasolina no DNA. No DNA da Red Bull está uma bebida energética, artigo hoje popular e considerado seguro, porém, sabe-se lá até quando...Para a empresa austríaca justificar a despesa de alinhar grande parte do grid, também é necessário ter a certeza de que pelo menos tem a chance de ganhar, que não é o caso atual.

Não são chorões, não. São práticos, pois dinheiro não nasce em árvores, nem para a Red Bull nem para a Renault. As pessoas nivelam seus argumentos a um nível tão ingênuo que não vale a pena discutir.

O que tinha a dizer sobre o assunto, está dito aqui.

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