A verdade dói

Lendo em blogs, sites e grupos de facebook brasileiros frequentemente vejo a grande nostalgia pelos "bons tempos" do automobilismo brasileiro, quando Interlagos ficava cheio com qualquer corridinha meia boca, apesar do quase total desconforto nas corridas mais antigas. O mesmo se aplicava a outras pistas, e mesmo em corridas de rua na pátria brasilis.

Já abordei alguns aspectos que explicam o exodo de público das corridas, entre os quais, a maior oferta de entretenimento eletrônico e tradicional no Brasil. Se até as partidas de futebol, a suposta paixão nacional, minguam com públicos pífios, o que esperar do automobilismo?

Na realidade, muitas das vezes em que Interlagos esteve cheio, convenhamos, as entradas eram gratuitas. Encher Interlagos com público pagante sempre foi difícil.

Mas este post não trata de Interlagos ou mesmo do automobilismo brasileiro. Trata do automobilismo internacional, que vem passando pelo mesmo problema que o brasileiro. Pois agora é costumeiro dizer que a F1 está preocupantemente perdendo público, e é necessário fazer algo para atrair uma nova leva de entusiastas. Sem dúvida, é um problema, e parte das respostas é a mesma que dei sobre o nosso automobilismo. O europeu também tem grande oferta de mídia eletrônica, e muito entretenimento. Há mais incentivo para ficar em casa do que descambar para um autódromo e assistir uma corrida "in loco". A pergunta fica, porque até os telespectadores estão deixando o automobilismo de lado?

Antes de mais nada, sejamos verdadeiros. Vejamos a grande abundância de corridas na Inglaterra, por exemplo. Mesmo nos anos 60, 70, 80, a maioria das corridas ocorria no esquema de "club racing", e o público não era lá essas coisas, de fato, às vezes havia mais gente nos paddocks do que nas arquibancadas. E o mesmo ocorre com as corridas na Itália, França, Alemanha e mesmo nos EUA.

Lendo o Autocourse de 1972, vejo um ciclo, e provavelmente o resultado será o mesmo. Nesse anuário, o editor aborda o grande número de categorias e campeonatos existente na Europa na época, e fez uma previsão que acabou ocorrendo. Muitas dessas categorias não sobreviveram mais três ou quatro anos, a F-5000, Europeu de GT, Europeu de 2 Litros, Formula Atlantic inglesa. Seria um excesso de oferta, sem haver tanta demanda. Todo mundo gostava do Europeu de 2 Litros no papel, entretanto, ninguém ia nas corridas (vejam este post http://carlosdepaula.blogspot.com/2014/02/a-ilusao-de-novos-campeonatos.html)

Há outros fatores históricos que levaram à morte essas categorias e campeonatos, porém, o tema é sempre excesso de oferta em relação à demanda, o tal regulamento de mercado.

A grande pergunta é, o automobilismo comporta um número cada vez maior de corridas de alto nível, mesmo em termos de público televisivo?

Outro dia, lendo o setor de resultados do site da Autosport, levei um susto, Há um número imenso de categorias na Europa, algumas das quais eu desconhecia. Isso mesmo após a morte sequencial de diversas categorias como a Formula 2, A1GP, Formula Super League, etc. Hoje há tantas categorias de acesso, cada vez mais disfuncionais, pois o paradigma de ascenssão à F1 mudou, algo que ficou mais claro ainda com a contratação de Max Verstappen pela STR. Aquilo que ocorreu em meados da década de 70 está ocorrendo de novo, com um detalhe. Á medida em que expandem os calendários de categorias Top como a F-1 e Indycar, o público parece diminuir.

Alguns diriam, e a NASCAR, como sobrevive incólume? Primeiro, é necessário lembrar que a primeira providência tomada pela NASCAR, ao iniciar a era moderna do campeonato, justamente em 1972, foi enxugar o calendário. Sim, a NASCAR desde então tem mais ou menos 30 corridas, porém, até 1971, o calendário tinha 50! Muitas dessas provas ocorriam em pistas de terra mequetrefe, com pilotos e carros mequetrefe, cuja razão de ser, num campeonato de nível, era para lá de questionável.

Porém, o sonho de consumo de todos, inclusive da F1, tem sido emular o sucesso da NASCAR com tantas corridas. Afinal de contas, com mais corridas, mais dinheiro, mais público, mais patrocinadores. Certo? Errado.

O grande número de corridas e popularidade da NASCAR não são garantia de sucesso de qualquer programa de marketing. A saída da NATIONAL GUARD como patrocinadora é um fato que corrobora isso. É muito fácil se concentrar na saída do sponsor da equipe Rahal, na Indycar, porém, o patrocinador militar também patrocinava equipe de NASCAR. E após alguns milhões gastos, chegou à conclusão que nenhuma pessoa se alistou como consequência direta do patrocínio, seja na Indycar, seja na NASCAR...

NASCAR não é resposta para tudo, e o público da NASCAR também empacou. Não diria que o esquema está em crise, porém, não está tão bem quanto queria a direção do sanctioning club.

A meu ver, a expansão dos calendários, tanto da F1, quanto da Indycar é errada. No caso da Indycar, , o calendário foi condensado em 6 curtos meses, com 18 corridas (algumas double headers). Não creio que o número de espectadores aumentou, e para mim, é óbvio que o certo sería encurtar o calendário.

O mesmo ocorre com a F1. Com 20 GPs, o evento F1 está se trivializando, os Prix já não são tão Grand como outrora. A meu ver, 15 GPs era a medida certa. O resultado de tantas corridas é que muita gente está se entediando com os GPs, e acaba assistindo somente uns 14, 13, em vez dos 20! O mesmo com a Indycar, que na época da USAC e nos primeiros anos da CART, tinha calendários com 12 corridas ou menos.

O aumento aritmético de corridas diluiu o interesse dos telespectadores, em vez de aumentar. Curiosamente, mesmo na Alemanha, país do piloto que ganhou os últimos quatro campeonatos, e do líder deste, o interesse pela F1 declina. O número excessivo de corridas pode fazer sucesso entre uma parcela mínima dos torcedores, aquele hardcore, que quando não há GPs para ver, fica hora vendo corridas no Youtube.

O aumento de oferta simplesmente não está aumentando a demanda, muito pelo contrário.

A verdade dói, mas está aqui para todos verem. A existência saudável do autmobilismo de competição de alto nível requer um corte drástico no número de provas. Uma corrida de F1, ou Fórmula  Indy, tem que voltar a ser um evento especial.

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami

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