Uma biografia diferente

De modo geral, biografias de pilotos não são muito diferentes das autobiografias. Quase sempre apresentam somente o bom lado do piloto, não só nas questões esportivas e técnicas, mas também em termos de personalidade. Sendo assim, acabam invariavelmente sendo chatas de ler, pois mais cedo, mais tarde o leitor cai na real que se trata de um engodo editorial.

Quando o alvo do livro já é morto, então, nem se fala. Vira santo. Certa vez, fui elogiar num blog um piloto morto, de uma forma elíptica, é verdade, e sua filha, já bem grandinha, saiu gritando como uma adolescente que eu denegri a imagem do decujus...Se falar mal mesmo, saiu guerra!

Imagino que isto ocorre por que geralmente o autor do livro é um grande fã do piloto, e faz de tudo para filtrar e não denegrir a imagem do ídolo.

Nesse sentido, o livro "Bob Wollek, en marge de la gloire" é bastante diferente de todas biografias de pilotos que já li até hoje. O livro, editado pela Le Mans Racing, e escrito-organizado por Jean Marc Teissedre, já demonstra ser diferente no próprio título. Em vez de utilizar o apelido de Bob, "Brilliant", o autor opta por focalizar um triste fato - apesar de ter chegado diversas vezes em segundo lugar nas 24 Horas de Le Mans, Wollek nunca ganhou a famosa corrida. Daí o "à margem da glória".


Independente disso tudo, o fato é que Wollek foi um dos melhores pilotos de endurance até hoje, vencedor de diversos campeonatos, diversas versões da Porsche Cup, dezenas de vitórias, e frequentemente ganhou corridas com equipamento inferior. Além disso, foi um bom piloto na Fórmula 2, e quando morreu em Sebring, de um acidente de bicicleta em 2001, ainda era rápido nos GTs, apesar de ter uma idade já avançada.

Obviamente o autor aprecia muito Wollek, porém, o livro está repleto de depoimentos de ex companheiros e chefes de equipe, que adicionam o tempero e dão ao leitor uma visão mais clara de quem era Wollek, o homem. Eis aqui o truque.

De modo geral, os colegas foram elogiosos, mas até aqueles que elogiaram bastante, como Jochen Mass, deram suas pinicadas. Mass, por exemplo, disse que Wollek se tornou "teimoso" no final da sua carreira. Mauro Baldi, que chega a chamá-lo de irmão, confessa que o achou inicialmente antipático.

Outros não poupam críticas, severas críticas. Um deles foi o também francês Eric Helary, com o qual Wollek correu em Le Mans em 1995, em trio com Mario Andretti. A grande pinicada dada por Helary foi lembrar que naquela altura dos acontecimentos, Eric já tinha ganho Le Mans uma vez (em 1993), e portanto, Wollek não o deveria tê-lo tratado como um iniciante. No fim das contas o trio terminou em segundo, porém Helary nunca mais quis saber de Wollek.

O belga Jean Michel Martin, que foi companheiro de equipe de Bob na equipe Joest em 1982, disse que Wollek simplesmente monopolizava o carro, fazia questão de falar alemão com o pessoal, e foi bastante antipático com ele e o irmão.

O próprio Reinhold Joest dá lá suas pinicadas, dizendo que às vezes era difícil de lidar, e que nunca admitia erros. Entre outra coisas, o leitor também aprende que Wollek e Jean Louis Schlesser se odiavam.

Ainda não li todos os depoimentos, porém, estou bastante curioso em ler o de Klaus Ludwig, que sempre aparecia para ocupar o lugar de Wollek na hora errada para o francês. Depois de diversos anos na Kremer, em 1979 Wollek foi para a equipe de George Loos, justo quando os irmãos Kremer haviam encontrado o mapa da mina de ouro, o 935 K3. Ludwig ganhou quase todas as corridas do campeonato alemão, exceto uma, além de ganhar as 24 Horas de Le Mans com os irmãos Whittington. Alguns anos depois, Wollek saiu da equipe Joest e foi pilotar para a Lancia. Nos dois anos em que Wollek pilotou Lancias em Le Mans, o vencedor foi seu substituto Ludwig, com um Porsche da equipe Joest!! Em 83, Wollek  e Ludwig correram juntos na Joest, e abandonaram as 24 Horas...Sem dúvida, Wollek tinha um pouco de Chris Amon, saindo de boas equipes na hora errada, e entrando em roubadas. Quem sabe por isso mesmo sempre simpatizei com o alsaciano.

No fim das contas, o quadro que se tem de Wollek é de um homem cheio de falhas, como eu, como você leitor. Suas virtudes também são enfatizadas por diversos, e no fundo, acabei me tornando mais fã de Wollek do que antes, pois não é apresentado como um ídolo pré-fabricado e sim, um homem de carne e osso.

Brilliant Bob.

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