A disfunção da Fórmula 3 brasileira

Estava preparando um texto muito rebuscado, uma pequena tese, com muitos dados etc. A falta do bendito tempo me impede de expor meu pensamento na forma como queria. Espero que não ofenda ninguém com o que direi aqui, embora saiba que, invariavelmente alguém não vai gostar.

Causou muita consternação a recente etapa de Brasília da F3 Sulamericana (chamemo-la de brasileira daqui por diante), por que só haviam seis carros na pista. Isto já é um grande sinal da disfunção da categoria.

Muito se fala da falta de um piloto brasileiro que consiga nos elevar, mais uma vez, ao posto máximo do automobilismo mundial, como um dia fizeram Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna.

Além de brasileiros, e o fato de os três terem pilotado Lotus e McLaren na F1, nossos três campeões tiveram algo em comum - os três foram campeões ingleses de F-3. Embora  Daniel Ricciardo tenha conseguido o mais ambicionado lugar na F1 no ano que vem, na Red Bull, e é um ex campeão da categoria, na realidade, não chegou onde chegou por causa do seu sucesso na categoria de base. Está lá por que é um piloto do esquema Red Bull. Além disso,  a própria F3 inglesa está em crise, com grids pequenos e poucas corridas, tornando-se quase um torneio. Ser campeão inglês de F3 não é garantia de sucesso na F1, e de fato, diversos dos nosso conterrâneos conseguiram este título desde que Emerson foi campeão em 1969, e muitos não avançaram na carreira.

Emerson chegou na Inglaterra com 22 anos, Ayrton com 21 e Piquet com 25. Ayrton foi campeão de F3 com 23 anos, Emerson com 22 e Piquet, com 26. Comparemos os três com o companheiro atual do felizardo Ricciardo, na Toro Rosso. Jean Eric Vergne tem somente 22 anos, e já está no seu segundo ano de F1!!! De fato, foi campeão inglês de F3 com meros 20 anos.

Assim vemos que não é somente o campeoníssimo Seb Vettel que assusta o mundo com sua precocidade. Na realidade, é um fato que a maioria dos pilotos hoje chega na F1 numa idade em que muitos pilotos nem pilotavam ainda...sim, pois Senna só foi pilotar carros quando chegou na Europa, no Brasil era kartista. Já seria "velho" hoje, na idade em que começou com os carros.

Outro dia, a Ferrari anunciou outro "pilotino" da sua academia, Antonio Fuoco. Vejam os rostos dos pilotos http://formula1.ferrari.com/ferrari-driver-academy, exceto Bianchi, velho em comparação, são todos crianças, e nenhum deles brasileiro.

Não é só a Ferrari que tem seu esquema. A McLaren tem há muito tempo (Lewis Hamilton já era seu piloto nos anos 90, contratado no kart), a Red Bull também. Na realidade, mudou um pouco a forma em que as equipes localizam seus futuros astros. Já são localizados diretamente no kart - EUROPEU.

Vejam o caso de Lance Stroll, da Ferrari. O menino na realidade é canadense, porém, já está disputando campeonatos de kart na Europa há algum tempo. Se estivesse no Canadá, ninguém saberia quem é.

Pois bem, nossa F3 era uma categoria na qual nossos jovens pilotos adquiriam  experiência antes de ir para a Europa ou EUA. Por falta de verdadeiras categorias de base, no estilo de uma Fórmula Ford ou Fórmula Renault, era a opção existente. Porém, o modelo se exauriu.

Convenhamos, que pelo menos para revelar nossos campeões de F1 a F3 brasileira foi ineficaz. De fato, as categorias de base brasileiras foram ineficazes. Ayrton Senna, segundo vimos, nunca havia corrido com carros no Brasil antes de ir para a Europa. Nosso Emerson fora campeão brasileiro de Fórmula Vê em 1967, porém, correu pouco mais de meia dúzia de vezes na categoria. Resta Nelson Piquet. Este sim, havia disputado vinte de cinco corridas de Fórmula Super-Vê no Brasil, antes de ir para a Europa. Cabe um porém - acho um pouco difícil chamar a Super-Vê de categoria de base, pois nela corriam veteranos como Chico Lameirão, Jan Balder, Eduardo Celidôneo, Marivaldo Fernandes, além de pilotos com experiência até em Fórmula 2, como José Pedro Chateaubriand. Era a categoria Top do Brasil na época, e de base tinha relativamente pouca coisa.

Voltemos à Fórmula 1. Salvo pelo veterano Schumacher, todos os campeões da F1 no milênio chegaram à F1 muito jovens através de um esquema diferente do tradicional. Basicamente, alguém já havia decidido que seriam os próximos caras da F1 antes de chegarem na F3 . Não gosto de usar a expressão cartas marcadas, porém, é exatamente assim que a coisa funciona hoje em dia. Aquela coisa de correr em kart no Brasil, depois fazer uma ou duas temporadas na F3, para depois seguir carreira na Europa, muitas vezes indo para uma categoria inferior, para depois seguir na F3 europeia, GP2 e F1, esse modelo está exausto para os pilotos de ponta.

Os pilotos de ponta do futuro têm que correr de kart NA EUROPA, fazer nome na categoria, começar nos carros com 16 anos, e já estar na F3 com 18. Vejam o campeão atual da F3 brasileira, Felipe Guimarães. O cara já é rodado, desde 2007, já correu até na A1GP, e F3000, e já está velho para subir na carreira. É verdade que acertou inicialmente, pois com 16 anos já corria na Europa em carros, porém, é bem difícil que o sucesso desta temporada seja um trampolim para coisas muito maiores.

Ou seja, nossa F3 está disfuncional. Não serve de trampolim para muita coisa, certamente não para a F1.

Os pais de pilotos devem, daqui para frente, bancar as carreiras dos seus filhos já no kart europeu, se quiserem que seus filhos entrem nos esquemas das grandes equipes, que entrem nos radares. A não ser que o cara seja um expoente, porém, desde a morte de Senna nosso país não produziu um piloto de calibre excepcional. O investimento passa a ser não somente financeiro, como também emocional, exigindo a mudança de pelo menos parte da família para o exterior na adolescência dos futuroes campeões.

Em síntese, é isso aí.

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami.

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