O PRIMEIRO FÓRMULA 1 BRASILEIRO




Há muito tempo que não escrevo um post. Estou bastante ocupado revisando meu livro Motor Racing in the 70s, o que tem tomado muito tempo. Além de incluir dezenas de milhares de novos e raríssimos dados, descobertos em pesquisas mais profundas, também estou incluindo fotos. Como dá trabalho obter autorização para incluir fotos num livro! Espero que o resultado seja bom.

Já sei, todo mundo vai dizer que o primeiro Fórmula 1 brasileiro foi o Copersucar-Fittipaldi. Outros mais espertos podem dizer que a Equipe Bandeirantes foi a primeira equipe brazuca de F-1, embora diversas fontes indiquem que o real dono da equipe era o uruguaio Cantoni. Que mistério é esse?

Numa certa seção do meu livro, discuto os diversos projetos de F-1 natimortos ou mesmo verdadeiras viagens na maionese dos anos 70. Por exemplo, já ouviu falar do Arno de Fórmula 1, que seria pilotado pelo holandês Peter Van Zwan? Rapaz, o piloto é tão desconhecido que nem entra na minha lista de pilotos holandeses relevantes da década.

Ocorre que muitos desses projetos eram desvendados nas páginas da revista italiana Autosprint, uma das melhores da época (até hoje muito boa). Como italianos gostam de rumores, obviamente as páginas de Autosprint durante os anos 70 divulgaram literalmente milhares de rumores, a maioria dos quais não deu em nada. Os rumores não envolviam somente a F-1: protótipos, turismo, F-2, Indy, outras categorias, pilotos, patrocinadores, cartolas, projetistas.

O caso da Tecno é curiosíssimo. A coisa começou m 1971, e perdurou até 1975, muito tempo depois do clamoroso final da equipe de F-1 em 1973. Em 1971, antes mesmo de lançado o motor, por exemplo, a revista dizia que o motor de 12 cilindros equiparia o carro de Jackie Stewart  em 1972 (apesar de na época ser o único piloto de F-1 a ganhar grana da Ford). Diversos pilotos foram dados como certos pilotos da Tecno, por exemplo Brian Redman em 1973 (95%). Um terceiro McLaren com motor Tecno para Jody Scheckter em 1973, Tecno estaria de volta em 1975, o próprio Arno teria um motor Tecno! Todo mundo aparentemente queria o péssimo motor Tecno!!!

Na realidade, muitos rumores envolviam italianos. Arturo Merzario era “colocado” em diversas equipes e categorias, tudo dado com muita certeza. O mesmo com Galli, Francisci, Serblin, o Brambilla Junior (Vittorio, como era chamado no começo da década) e uma vasta gama de pilotos do país. Não se pode dizer que os anos 70 foram muito bons para os italianos na F-1, sendo assim, muitos rumores envolviam os oriundi, ou seja os brasileiros irmãos Fittipaldi e Pace, e o ítalo-americano Mario Andretti.

Cabe lembrar que no começo da década a Autosprint cobria com certa frequência não somente o automobilismo argentino, como também o brasileiro, às vezes com fotos. Até o automobilismo uruguaio conseguia uma notinha, aqui e ali.

Com o estrondoso sucesso de Emerson em 1972, a jornalista Gabriela Noris começou a escrever com frequência artigos com rumores sobre os pilotos brasileiros. Até que no finalzinho de 1972 a grande bomba, a primeira equipe brasileira de Fórmula 1! Não era a Fittipaldi.


Parte 1 do artigo

O curioso da estória é que, consultando as revistas AE e QR da época, ou seja, a principal imprensa especializada de automobilismo de competição no Brasil, não achei nenhuma referência a tal equipe.   E uma pesquisa nos blogs de automobilismo atuais e na internet também não revela nenhum registro. Será que Gabriela sonhou?

Não sonhou. Alguns artigos apareceram sobre o assunto com uma certa frequência no final de 72 pelo menos nos jornais cariocas O Globo e JB, portanto não se trata de uma conspiração italiana.



Em suma, o artigo italiano dizia que estava sendo montada uma equipe de Fórmula 1 brasileira, que se chamaria Café do Brasil. Patrocinada principalmente pelo IBC, Instituto Brasileiro do Café, que investiria a polpuda soma de 1 milhão de dólares, inicialmente os carros seriam inscritos na Fórmula 2, com a intenção de chegar à F-1 por volta de 1974. Os pilotos seriam os óbvios irmãos Fittipaldi e Pace. O gestor do projeto era Luis Antonio Greco, que foi entrevistado por Noris e para os artigos globais. Seriam (ou já estavam) contratadas 15 pessoas para trabalhar na equipe, e o projetista seria Ron Tauranac, que alguns meses antes tinha vendido a Brabham para Bernie Ecclestone por 100.000 libras esterlinas. Entre outras coisas, o governo brasileiro declarava apoio completo à iniciativa, não somente com apoio do IBC, mas também da estatal Petrobrás. Até a privada Varig, avessa a colocar a mão no bolso, e viciada com a permuta com órgãos de imprensa brasileiros, era tida como apoiadora financeira. O super-ministro Delfim Netto estava plenamente ciente, e aprovava o projeto, pois Greco e ele se reuniram para discutir o assunto. A equipe promoveria muito mais do que o café: seria aberto um showroom de produtos brasileiros na Inglaterra.


Antes de continuar a narrativa, gostaria de frisar que considero Luis Antonio Greco um dos personagens mais brilhantes do automobilismo brasileiro, visionário, empreendedor, honesto e competente. Portanto, longe de mim “denegrir” a imagem do mesmo. Só escrevo este post por que acho que é um registro histórico importante.


Continuando. A meu ver, o artigo da Autosprint (como diversos outros de Gabriela) peca por apresentar planos, longe de ser concretizados, como fait-accompli. Há diversos indícios disso no próprio artigo. Por exemplo, em certa altura das coisas, a jornalista aventa a hipótese de a Café do Brasil comprar uma equipe já existente, a Brabham ou a Surtees, por exemplo, em vez de sair do zero. Aqui cabem algumas considerações. Segundo fontes, o próprio Tauranac teria vendido a Brabham a Bernie por meras 100.000 libras. Eu particularmente, acho esse valor muito baixo, mas não deve ter sido muito mais do que isso. Porém considerando-se que o valor divulgado do patrocínio da Café do Brasil seria 1 milhão de dólares, deduz-se que uma boa parte desse valor seria usada para comprar uma das duas escuderias. Se realmente houve a negociação com a Brabham, teria sido seu primeiro grande negócio de Bernie na F1, comprar por ₤100.000 (uns US$130.000) e vender por US$500.000 alguns meses depois. Pode até ter saído daqui uma única referência em blog brasileiro sobre a quase compra da Brabham por Greco. Diga-se de passagem, a Brabham de 1972 tinha pouco a oferecer a qualquer comprador, pelo menos em termos de performance.

 Artigo da Autosprint, parte 2

Ouvidos Surtees, Pace e outros para o artigo, não pareceram extremamente entusiasmados com o projeto. Entretanto, um dos artigos do Globo indica que um relações públicas da JPS teria abordado Greco, preocupadíssimo com a ameaça da equipe que chegava chegando. E falava-se em amplo apoio oficial do governo ao automobilismo brasileiro.  

É verdade que  o IBC patrocinou os três oriundi na F1 naquela época, mas era patrocínio pessoal, nada de milhão de dólares. Podemos especular o valor, mas não quero dar uma de Gabriela. O fato é que valores de patrocínio de F1 na época não eram os milhões de hoje: supostamente a Marlboro teria investido US$100.000 na BRM em 1972, valor pífio se comparado com o milhão brasileiro. Isto para alinhar até cinco carros em algumas corridas. Lembrem que a BRM ficou em segundo lugar no mundial de construtores de F1 em 1971. Os pilotos foram pagos separadamente, obviamente, mas a BRM construía seus próprios motores e câmbios.


Quanto a Tauranac, continuou nas competições, inclusive colaborou com Williams em 1973, projetou e tocou a Trojan em 74, reabriu a Ralt logo depois, e nenhuma biografia sua menciona, na mais breve forma, sua contratacão pela Café do Brasil F-1. Não tenho dúvidas de que ocorreu a conversa, porém, nunca chegou perto dos “finalmentes”. Mas Gabriela apresentou tudo como algo sacramentado.



Como trabalhei na Embratur em NY no começo dos anos 80, sei quão difícil era justamente arrancar dinheiro das autarquias do Ministério da Indústria e Comércio, por melhor que uma oportunidade promocional parecesse. No caso do IBC, pior ainda. Naquelas alturas das coisas, o escritório do IBC em NY existia mais para prestar favores aos barões de café da época do que realmente promover o café brasileiro. Na realidade, faziam um péssimo trabalho, de fato até o café que distribuíam para as repartções brasileiras de NY era de péssima qualidade. A marca “Café do Brasil” tinha também a desvantagem de ser grafada em português, e não era uma marca verdadeiramente comercial… É certo que eventualmente as duas autarquias patrocinaram Raul Boesel na Ligier em 1983, mas supostamente a coisa não terminou muito bem.

Sendo assim, acho que o artigo de Gabriela Noris foi, como as típicas especulações da Auto Sprint na época, nada mais do que isso. Por isso mesmo a imprensa especializada brasileira, que lia Auto Sprint, se furtou de cobrir o “furo” jornalístico, por que nada mais era do que isso, um furo bem furado. Em 1973 Greco se limitou a gerir uma excelente equipe de Divisão 1, que ganhou diversas provas com os irmãos Clemente e se focou no automobilismo brasileiro. Longe do governo.   


Artigos brasileiros gentilmente fornecidos por Ricardo Cunha

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