Falando a verdade, caindo a ficha, ou de quem é a culpa

Em 1960, surge na F1 um escocês voador, piloto impossível de bater. Muito combativo, preferia quebrar do que chegar em segundo. Corria bem em tudo, F1, F2, Indycar, Stockcar, Saloons. No ano do segundo titulo mundial de Jim Clark, aconteceu o impossível. Surge um outro escocês voador, Jackie Stewart, que acabou batendo o recorde de vitórias do conterrâneo.

Depois disso, o escoceses tiveram que esperar até 1995 para ver uma vitória de um outro piloto do país na F1, com David Coulthard. Diga-se de passagem, David era bom, mas longe de ser um Clark ou Stewart. Não que nesse interim não tenham aparecido outros escoceses que pareciam dar jeito para a coisa. Gerry Birrel, alguns diziam, tinha lugar certo na F1 em 1974, só que a morte o levou em Rouen, numa corrida de F2. E o rápido Allan McNish foi sumariamente preterido pela F1, até surgir uma fraca oportunidade com a Toyota, que obviamente, não deu em nada.

Nos últimos vinte anos, algo parecido aconteceu, só que nesse caso, a nacionalidade é alemã. Michael Schumacher chegou quase a 100 vitórias, além de sete campeonatos, porém, mal se aposentou e apareceu um outro alemão, Sebastian Vettel, que aparentemente pode até bater os recordes de Schumacher, se tiver tanta sede de sucesso quanto o fominha Michael. Pois idade Seb tem.

Antes desses dois, os alemães esperaram muito tempo para ver sucesso sustentável no mundo dos GPs. Nos anos 30, Caracciola, Lang, Rosemeyer, Von Brauchitish, Delius e companhia limitada ganharam muitas corridas com a Mercedes, Alfa e Auto Union. No pós guerra, o melhor tinha sido o razoável Karl Kling, até que Wolfgang Von Trips disputou o campeonato de 1961 com grandes chances de vencê-lo. Infelizmente a morte o levou em Monza, e assim, os alemães ficaram a ver navios mais alguns anos.

Até aparecer Schumacher, um grande número de alemães obteve sucesso nas principais disciplinas do automobilismo mundial, nos anos 70 até os anos 80. Bellof, Stuck Jr, Stommelen, Mass, Danner, Mitter, Hahne, Schutz, Hermann, Reuter, os irmãos Manfred e Joachim Winkelhock, Weidler, Jost, Kauhshen,  Kelleners, Ludwig. Heyer, Burger, Barth, Glemser, Neerpasch, Schickentanz, Bertrams, Schneider, e outros. Destes, só Bellof, que morreu muito cedo, parecia ter qualidades que lembravam os ases ganhadores dos anos 30. Ou seja, entre 1939, último ano da hegemonia alemã até 1992, ano da primeira vitória de Schumacher na F1, passaram-se  nada menos do que 53 longos anos de seca, com as duas vitórias de Von Trips em 61 e meia de Mass, em 75, para quebrar o gelo. Começou ai uma nova hegemonia alemã, com Schumi e Vettel, ajudada também por Heinz Harald Frentzen, Ralf Schumacher, Nico Rosberg, e o promissor Nico Hulkenberg.

Exatamente o que causa essas longas fases de sucesso de pilotos de uma nacionalidade, seguidas de mais longos ostracismos, não fica muito claro. No caso dos franceses, por exemplo, a dinheirama e recursos que a Elf, Matra e Renault colocaram no automobilismo nos anos 60, gerou uma grande geração, entre outros, Beltoise, Cevert, Pescarolo, Servoz-Gavin, Depailler, Jabouille, Arnoux, Pironi, Laffite, Tambay, Larrousse, Jarier, Leclere, Dallest, Jaussaud, Wollek (os tres últimos não chegaram na F1, entretanto) e culminou com Prost. Aliás, Prost foi o auge e o ponto final dessa fase áurea. Porém, cabe lembrar que antes dela os franceses tiveram, durante muitos anos, atuação apagada no mundo dos GPs, desde a morte de J.P. Wimile nos anos 40.

Nós brasileiros nos acostumamos mal com os três gênios do nosso automobilismo que ganharam nada menos do que oito títulos mundiais e quase oitenta GPs entre 1972 e 1991. Só que desde então, achamos que certamente o País que produziu Emerson, Piquet e Senna iria continuar colocando na praça fornadas de pilotos de alta qualidade.

O fato é, desde a morte de Senna, não temos um piloto diferenciado. Pronto, está dito. Barrichello e Massa fizeram mais do que se esperava deles. Porém, desde a morte de Senna, em 1994, literalmente centenas de pilotos brasileiros se aventuraram nas corridas da Europa, EUA e Ásia, esperando levar o Brasil ao título mundial mais uma vez, sem sucesso.

Eu botava muita fé no Zonta, no Pizzonia, no Junqueira, no De Ferran, no Da Matta e no Piquet Junior. Porém, no meio do caminho, todos provaram que estavam um pouco longe do patamar dos grandes. Sem desmerecer de suas realizações, como das de dezenas de outros que ganharam títulos na F-3000, Mundial de GT, Indycar, CART, Indy Lights, Formula Nippon, Formula Renault, F3, categorias turismo, etc, etc, etc.

Na realidade, os nossos pilotos dos últimos anos estão mais para os Neerspasch, Jost e Schickentanz dos alemães dos anos 60 e 70  do que os Schumacher e Vettel de agora. Pilotos que vão ser bem sucedidos nas categorias menores, sem chegar ao auge do sucesso na F1. Simplesmente fomos incapazes de formar pilotos com aquela diferença dos três grandes.

Logo surgem os dedos. A culpa é da CBA, a culpa é da falta de categorias de base, a culpa é das classes turismo, nosso automobilismo não é profissional, a culpa é do Galvão Bueno. Não acho que exista culpa, existem circunstâncias. Diversas, diga-se de passagem, para começar uma maior concorrência do que 40 anos atrás.

Um diferencial que levou Emerson, Piquet e Senna ao sucesso foi o kart, não foi a pujança do nosso automobilismo regional. Isto é tanto um fato que Senna não era corredor de automóveis quando saiu do Brasil, era kartista. Não foram as experiências do Emerson com Rabo Quente, do Piquet com o protótipo Camber que contaram. Você dirá, mas os pilotos brasileiros dos últimos anos também começaram no kart! Concordo, só que hoje em dia pilotos de TODAS AS NACIONALIDADES começam no kart, o que não era o caso nos anos 60 e 70. Muitos começavam em carros, até motos, frequentemente em desajeitados carros de turismo, às vezes em subidas de montanha e rally, e não obtinham as habilidades necessárias para guiar um F1 com eficácia. Nossos três ases chegaram lá por causa dos karts, não se enganem, e não temos mais essa vantagem.

Hoje, o mundo da F1 mudou. Os relacionamentos comerciais, os contratos começam muito antes de o piloto chegar na F3. Algo assim como no nosso futebol, nos quais os mais talentosos  já tem um belo contrato nas mãos com 14 anos. A Mclaren, a Ferrari, a Red Bull, a Mercedes já estão de olho nos garotos, todos têm suas academias. Aí nossos pilotos chegam na Europa com 19, 20 anos, se achando jovens. Não são jovens, já estão velhos!!! Por que as grandes equipes já estão com um plantel de garotos formado lá no Velho Continente. Para os pilotos que são de fora, sobra pouca coisa. Os mais pessimistas e cínicos diriam que são cartas marcadas. Por exemplo, Jules Bianchi, mais cedo, mais tarde vai estar numa equipe de ponta, que se danem os de fora. E pelo jeito a Red Bull vai privilegiar a prata da casa Ricciardo em vez de contratar o bota Raikkonen. O investimento é muito grande para dar chance aos de fora.

Ficou muito mais difícil para nossos pilotos chegarem lá. Assim como pilotos americanos, japoneses, sul-africanos, canadenses, australianos, etc. Uma família inteira se mudar para a Europa durante anos, visando a carreira do pimpolho de treze anos é coisa das mais difíceis até para os endinheirados de plantão.

Assim, embora o calendário da F1 se torne cada vez menos europeu, em termos de pilotos, a categoria volta a ser um domínio do Velho Continente. Todas as equipes são, afinal de contas, europeias.

Para nós brasileiros continuarão a sobrar migalhas.

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami   

     

Comentários

  1. Carlos, também moro nos USA há anos. Muito bem colocado os argumentos, principalmente os de conclusão. Abraço, Carlos.

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