O apocalipse de Caserta

Estudiosos da história do automobilismo prontamente lembrarão de alguns momentos lúgubres do esporte, quando numa mesma corrida morreram diversos pilotos ou espectadores. Le Mans 1955, Monza 1933, Rouen 1970, Indy 1973, Imola 1994, Tarumã 1973, são alguns daqueles momentos tristes que nos fazem lembrar que centenas, quem sabe milhares de pessoas perderam as vidas nas pistas ou locais onde se realizaram provas desde o final do século XIX, apesar do falso senso de segurança da atualidade.

As primeiras corridas ocorreram em estradas, geralmente de uma cidade a outra. Com o aumento das frotas e inconveniência de fechar estradas para a prática do esporte, pouco a pouco foram surgindo circuitos fechados, exceto na Itália, onde a “stradale” Targa Florio teimou em sobreviver até a década de 70. Hoje, restringem-se aos rallyes e provas de subida de montanha.

Não é de se espantar que foi justamente a Itália, apesar da veterana Monza, a resistir à construção de autódromos, com algum simulacro de segurança. Perigosas corridas eram realizadas nas ruas de diversas cidades italianas, com grande periculosidade. Messina, Nápoles, Garda, Pescara, Modena, Bari, Siracusa, entre outras, e Caserta. De fato, continuavam nos anos 60, e Caserta foi um dos palcos do Campeonato Italiano de F-3 de 1967.

Este campeonato era razoavelmente competitivo, embora não tenha gerado grandes estrelas do automobilismo mundial, como o Britânico e o Francês. Porém, naquele ano, entre outros, disputavam o certame Andrea de Adamich, Clay Reggazoni, Ernesto Brambilla, Silvio Moser, Carlo Faccetti e até um piloto italiano que já correra na F-1, Giacomo “Geki” Russo. Este último, além da experiência (corria desde 1959) tinha uma arma especial para ganhar o campeonato daquele ano: comprara um Matra para concorrer com uma série de carros britânicos, como Lotus e Brabham, e italianos, como De Sanctis e BWA.

O circuito em forma triangular e pista estreita, foi palco de uma eliminatória bastante concorrida, ganha por Moser, seguido de Geki, Corti e Reggazoni, que atravessaram a linha de chegada praticamente grudados. Na sétima volta da final, ocorre o drama. O piloto suiço Beat Fehr e Andrea Saltari se tocaram numa parte rápida da pista, e os carros terminam num trecho cercado de muros, com pouca visibilidade.  De fato, a Brabham de Fehr foi jogada para o centro da pista. Um retardatário, Franco Foresti, percebeu muito tarde o carro de Fehr, bate e tem seu carro destruído. 
Para evitar mais acidentes, Beat Fehr decide  alertar os pilotos do pelotão dianteiro que se aproximam rapidamente.  O que é claro, apesar de diversas versões, é que Geki Russo perdeu o controle da sua Matra, colidiu com um dos carros que já tinha batido, e é jogado para fora do F3, que pega fogo imediatamente. Geki morre na hora. O bem intencionado Fehr acabou atropelado por um carro, que pode ter sido o de Geki, ou de outro piloto, e acaba no hospital, como Corrado Manfredini, Jurg Dubler e Clay Reggazoni. Fehr sucumbiu dos ferimentos alguns dias depois. Os acidentes continuaram pela pista inteira, e o italiano Romano Perdoni, conhecido pelo pseudônimo “Tiger” acaba sendo a terceira vítima fatal do fim de semana, preso dentro do seu carro com diversos ferimentos internos e externos. 


Quando finalmente a corrida foi interrompida, só haviam quatro carros rodando – os outros pilotos estavam mortos, no hospital ou fora do combate, com carros destruídos. Uma cena de guerra pelas ruas de Caserta.


Naquela época, só havia dois circuitos fechados permanentes na Itália: Monza e Vallelunga. Depois de Caserta, que nunca mais foi palco de corridas, pouco a pouco foram desaparecendo as corridas de rua, e construídos autódromos, como Misano, Mugello e Imola. A Targa Florio sobreviveu como prova do Mundial de Marcas até 1973, levando uma última vítima, tão esquecida como Russo, Fehr e Tiger: Charles Blyth.  

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