Um pouco de tudo e um pouco de nada

Uma das coisas que eu mais apreciava na comédia "Seinfeld" era a estrutura dos episódios. Geralmente, havia três histórias, uma não tinha nada a ver com a outra, de repente, nos últimos minutos as 3 convergiam "sem costura". Coisa brilhante.

Eu sempre gostei de escrever sobre assuntos que aparentemente não têm nada a ver, um com o outro, porém, de uma forma seinfeldiana, convergem no final.

Passamos por eleições no Brasil, e apesar de resolvida nas urnas, pelo jeito o assunto vai continuar rendendo. Isto por que existe uma polarização esquerda-direita muito grande no momento, que nos faz lembrar a Guerra Fria dos anos 50 a 80.

Era uma guerra ideológica. Graças ao bom Deus, os dois líderes da tal guerra, os EUA de um lado, e a União Soviética do outro, nunca marcaram encontro num campo de batalha - pelo menos não diretamente. Ficou que nem aquelas brigas em que um grandalhão empurra o outro, mas ninguém disfere socos, no fundo com medo de apanhar. Em jogo, o destino do mundo que observava o impasse com muita preocupação.

Os EUA propunham o estilo capitalista, os soviéticos, o comunista - a seu modo, pois os chineses tinham o modo deles, os albaneses um terceiro modo. Os dois lados queriam que o mundo inteiro se convertesse à sua ideologia.

Dentro deste smosgasbord de ideias, valia tudo. Inclusive a corrida para a Lua. Provar que país X ou Y tinha mais capacidade de colonizar o espaço sideral, teorizava-se, ganharia muitos pontos para um dos "ismos". Sem dúvida, ninguém gostava de lembrar que programas espaciais americano e soviético foram montados com tecnologia nazista! Os cientistas alemães que dominavam a tecnologia de foguetes, foram abocanhados com fervor pelos americanos e soviéticos. Ou seja, eram produto, ou pelo menos patrocinados, por um terceiro "ismo", o mesmo que ambos combateram na época em que eram "amigos".

Os soviéticos lançaram a Laika no espaço, depois o primeiro homem, porém, no fim das contas quem pisou primeiro na Lua foram os americanos. Quer dizer, como dentro da guerra ideológica vale tudo, tem gente que até hoje jura que foi tudo uma montagem dos americanos, que estes nunca teriam pisado no satélite.

A vitória capitalista murchou a pipa dos soviéticos, que deixaram de ganhar pontos na apreciação mundial, na área de tecnologia.

2014 - muitos anos depois da queda do Muro de Berlim, realiza-se o primeiro Grande Prêmio da Rússia. Ainda por cima, com um carro meio russo, o Marussia, e um promissor piloto paisano. Quem diria que isso iria acontecer um dia...

Pois, já nos anos 50, os russos viviam criando, ou dizendo que estavam criando, mirabolantes projetos de carros de F-1, ou supostamente  de F-1, e ameaçavam entrar no campeonato mundial com tudo.

Na realidade, os tais projetos não passavam de quase infantis iniciativas de relações públicas, pois certamente não tinham nada de sério.

Um dos exemplos é o Moskvitch-GD-1, de 1965, equipado com um motor russo GD, com dois carburadores Weber, que supostamente produzia 200 HP. Nunca correu, a grana acabou e o carro acabou com um fraco motor Moskvitch 412, que produzia somente 124 Hp, nunca usado no ocidente.




Os "F-1" russos. os dois Khadi e o Madi.

Teve também o Khadi-8 de 1967, produzido pelo Instituto Kharkov, que vinha anunciando projetos de F-1 há um bom tempo. O monoposto tinha um motor de 8 cilindros, 2 litros e 340 HP. Nada mal, considerando-se que o motor Repco que equipava o Brabham campeão do mundo não era muito mais potente. Entretanto, o bólido soviético não passava de 200 km por hora, e também nunca cruzou as fronteiras.

O Khadi 8 virou o 10, por volta de 1971-72, ou seja, já era um tanto obsoleto. Com um motor menos potente ainda do que o 8, com 250 HP, o Khadi 10 não passava de uma risível queimação de filme, e também nunca foi inscrito num GP.

Mais tarde, em 1973, houve o Madi-01, inspirado no grande Lotus 72, porém, com um motor GAZ de 3 litros que produzia meros 125 HP!!! Supostamente conseguia chegar a 204 km por hora. O Heve-VW de Divisão 4 certamente era mais rápido...

Eventualmente, os soviéticos enfiaram a viola no saco, e pararam de anunciar mirabolantes projetos de carros de Fórmula 1. Perderam mais essa batalha tecnológica, o que nos leva a pensar, será que a Laika foi mesmo para o espaço?

No fim das contas, na Cortina de Ferro os poloneses, alemães orientais e tchecos certamente produziram carros de competição razoáveis, para as fórmulas Junior e 3, além de carros de Fórmula Easter. Nunca fizeram tanto alarde quanto os soviéticos, sendo assim, pouco se fala sobre esses carros, que, de fato, competiram e não fizeram feio contra carros ocidentais.

Voltando ao presente, agora os russos entraram para a elite da Fórmula 1...quer dizer, nem tanto. Sim, têm o GP, e um talentoso piloto que estará numa equipe de ponta no ano que vem, porém, o GP da Rússia, possivelmente, tenha sido o último GP da equipe meio-russa. A Marussia sobreviveu enquanto Jules Bianchi levou seus carros nas costas, conseguindo inclusive um brilhante nono lugar em Monaco. Quis o destino que o piloto da Ferrari se acidentasse gravemente no Japão, e logo depois, veio a impagável conta dos motores. A Marussia, como a Laika, não sobreviveu. E há alguma coisa de soviética nos ares frescos da tundra.

Ó cruel mundo da F-1, pior que você em drama somente as sagas islandesas e o Camões com suas heróicas estórias lusitanas.

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami

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