Eu quero uma casa no campo

Quem não conhece a grande música de Zé Rodrix, interpretada de maneira tão magnífica por Elis Regina?

É bem possível que o pessoal da nova geração não conheça a música, ou não conheça a letra. De fato, é bem possível que logo a letra se torne completamente anacrônica.

Explico.

Há um trecho da canção, quem sabe, o mais conhecido e legal, que diz "onde possa levar meus amigos, meus discos e livros e nada mais". É para isso qiue o autor quer uma casa no campo.

Para a geração atual isto se reduziria a "onde possa levar meu tablet". Ou meu laptop ou smartphone.

Não sou avesso à modernidade. Trabalho com computadores há quase trinta anos, toco sintetizadores há 33, e meu carro é super-moderno. Estou cercado de aparelhos e softwares da hora. Minha aversão ao celular tem mais a ver com minha deficiência auditiva do que ódio à tecnologia. Não gosto de muita miniaturização por que tenho 10 de miopia, e outras "pias".

Raciocinemos. Discos já são uma coisa do passado há muito tempo. Foram substituídos por CDs. Demorei um pouco a engolir os CDs, porque, para mim, um LP era um evento. Lindas e imensas capas, encartes, sem contar o prazer de escolher na loja abarrotada de discos os álbuns que iriam consumir grande parte da minha exígua grana. Os CDs diminuíram um pouco a dimensão do evento (e dos encartes), e eventualmente a digitalização se tornou um tiro nos pés da indústria fonográfica. Hoje, lojas de CDs são poucas, e as existentes, contém pouco produto. Sim, você vai achar os lixos das Lady Gagas e Miley Cirus da vida, e basta. O prazer de mostrar uma estante cheia de LPs, ou mesmo de CDs, logo será uma coisa do passado, embora exista uma tentativa de ressuscitar os LPs. Hoje música, o consumo de música, é o consumo de arquivos digitais, seja online ou salvos no seu computador, tablet ou celular.

Livros...aqui nos Estados Unidos quase não existem mais livrarias. A Barnes and Noble, que quase monopolizou o mercado nos últimos 20 anos, agora começou a fechar suas lojas às pencas, visando competir tête-à-tête com a Amazon.com e vender pela internet. A proposta ainda é vender livros de papel, com capa, cola, e tinta. Não por muito tempo. Mais cedo, mais tarde, vão forçar a barra e fornecer a maioria dos livros somente em formato digital, algo que é facilitado pela plataforma da loja online. Sim, você ainda vai poder comprar açucarados ou bobos best-sellers nas suas versões em papel em super-mercados em farmácias, porém, o livro em papel corre o risco de ser o próximo mico-leão dourado neste país.

Os discos e livros do poema de Zé Rodrix estão se tornando quase exclusivamente digitais. Basta ter bastante memória no disco rígido,  ou um bom número de pen-drives, e tudo caberá numa caixinha.

Só que até mesmo os amigos estão se tornando digitais, quase exclusivamente digitais, devidamente classificados e catalogados nas listas de contatos de celulares e aplicativos, ou em redes sociais. Sim, as pessoas ainda se reúnem (porém, quando estão juntas não param de olhar seus dispositivos de comunicação, cabe notar), mas em grande parte nossos contatos são virtuais, curtos e superficiais.

Ou seja, a ideia de um grupo de amigos se descambar para o campo, para ouvir discos e ler livros, é algo tão antiquado quanto as termas romanas! Para que tudo isso, crie-se um APP legal, todo mundo se reune num chat e compartilha arquivos digitais, e ninguém tem que sair de casa!!!

Ainda bem que o Zé - e a Elis - se foram antes de ver esse dia chegar.

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