Colapso dos pequenos

Suponha, com bastante liberdade poética, que eu tivesse uns 100 milhões de díolares para investir em um negócio. Não se anime, não tenho a grana. Somente sonhe comigo. Daí, você, como bom entusiasta do automobilismo de competição, diria "compre uma equipe de Fórmula 1, tem duas à venda baratinho". Eu, como bom fã do esporte, sairia correndo para comprar. Certo? Errado, redondamente errado.

Em meus quarenta e poucos anos pesquisando sobre automobilismo de competição, chego à conclusão de que investir no esporte, esperando retorno, é uma roubada. Se quizer torrar grana, tudo bem, agora investir e esperar lucros, é um sonho.

March, Lola, Ralt, Chevron, Swift, Reynard, Brabham...todas fábricas que um dia dominaram os grids de diversas categorias, que juntas, produziram milhares de carros de corrida bem sucedidos. Seu destino comum foi a falência. De fato, hoje em dia resta somente a Dallara entre produtores de monopostos em grande escala.

Quanto à Fórmula 1. Desde que comecei a seguir o esporte, em 1969, mais seriamente a partir de 72, 73, dezenas de novas equipes apareceram na F-1. A grande maioria não sobreviveu mais de duas temporadas, a mais teimosa, a Arrows, sobreviveu mais de duas décadas sem ganhar uma corrida antes de sucumbir. Entre as atuais é o caso da Sauber, que no momento se encontra na UTI das equipes de F1.

Não nutro qualquer esperança de que Caterham e Marussia voltem a participar da F1. Com isso, termina uma pequena era. Em 2009, a F1 escolheu quatro novas equipes para ter a honra de participar da categoria, a Manor, Campos, Lotus e USF1. Uma delas nem chegou a participar, outra ficou no meio do trajeto. As outras trocaram de donos e nomes durante o caminho, e, em cinco temporadas, só conseguiram marcar pontos em uma única corrida!

Em 1973, três novos construtores se agregaram à F1, Shadow, Ensign e Iso-Marlboro. A Shadow já marcou pontos na estreia, e logo em seguida, obteve um pódio. A Iso-Marlboro, apesar de frequentar constantemente as últimas posições dos grids, conseguiu marcar pontos em duas ocasiões naquele mesmo ano. Cabe notar que naquela época, era preciso chegar nos seis primeiros para levar pontos para casa, era muito mais difícil do que o Top-10 de hoje. Já a Ensign demorou até 1975 para marcar seus primeiros pontos, e por bem, por mal, permaneceu na categoria até 1983. A impecuniária Iso-Marlboro enganava com o pomposo nome composto de um construtor de supercarros italiano e a quase ubíqua marca de cigarros americana. A Iso nunca deu um centavo, e logo faliu, e a Marlboro dava pouco, porém, disso tudo nasceu algo positivo - ali nascia o embrião da Williams, que um dia viria dominar a F1, ganhando muitos títulos e GPs e sobrevive até hoje.

Porém, desde o princípio as quatro equipes que foram honradas com o convite de participar na F1 moderna não davam sinais de que um dia seriam uma Williams. Realmente, parece que lá estavam para preencher a traseira do grid e dar a impressão de que se contextualizavam, de uma forma ou outra, na categoria.

Confesso que não posso dizer que vou sentir falta de nenhuma das quatro, inclusive da natimorta USF1, que desde o princípio parecia um exercício de marketing. Pelo menos Jose Maria Lopez, o argentino que tinha sido "contratado" pela equipe conseguiu recuperar parcialmente sua carreira, e tornou-se campeão mundial de turismo deste ano com a Citroen. Sim, torci como um doido por Julien Bianchi em Monaco, neste ano, e na época do embate das duas Lotus, preferia a equipe malaia.

Os prováveis últimos momentos das duas fracas equipes tiveram requintes de opera buffa. A Caterham, em mãos malaias, foi vendida para um consórcio romeno-suíço. No meio, supostamente havia dinheiro do Oriente Médio. No fim, pelo jeito não havia dinheiro nenhum. Que me desculpem os romenos, porém, acreditar que a Romênia um dia seria uma das potências da F1 me parece algo improvável. Quanto à Marussia, teve o azar de perder a sua maior pérola, o acidentado Jules Bianchi, piloto do esquema Ferrari. Conseguiu participar de forma anti-climática do GP da Rússia, e depois, bye-bye. Não supreendentemente, o maior credor da Marussia era justamente a Ferrari, que pelo jeito deixava de cobrar o papagaio por que a equipe lhe servia de campo de treinamento para Bianchi, que provavelmente substituiria Raikkonen em 2016.

Agora, francamente, entre alinhar essas equipes, e colocar alguns carros de GP2 nos GPs, me pareceria mais sensível colocar os GP2. Estas equipes fracas nunca deram sinais de verdadeira evolução, na realidade, houve uma involução de equipes como a Sauber e a Lotus de Enstone que deram a aparência de progresso. E a nova equipe americana provavelmente também não saia do papel.

No ano que vem existe a possibilidade de grids com 16 carros. Sim, a Sauber tem Ericsson sob contrato, porém, duvido que o sueco esteja trazendo tanta grana assim. Ter Ericsson sob contrato seria a mesma coisa que a USF1 ter Jose Maria Lopez sob contrato. Quem sabe a Sauber resista mais um ano, e quem sabe, as pequenas que sobraram (Force-India, Sauber e Lotus) consigam torcer o braço dos chefes da categoria.

De uma coisa podem ter certeza. Não vou investir em uma equipe de F1, mesmo que 100 milhões de dólares apareçam na minha conta bancária. Ou mesmo 1 bilhão.

Carlos de Paula é escritor, tradutor, historiador de automobilismo baseado em Miami e não tem 100 milhões de dólares.      

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