Um econobox surpreendente

Hoje em dia dia estamos acostumados com os múltiplos sucessos do motor Renault na F-1, uma forte presença gálica na categoria. Na realidade, foram os franceses a criar o automobilismo de competição, ainda no século XIX, e o primeiro Grande Prêmio se realizou na França, em 1906. O vencedor foi um húngaro, Ferenc Szisz, e o carro um Renault. Além da Renault, havia também a De Dion-Bouton, Panhard, Clement-Bayard, Peugeot nessa primeira fase do automobilismo. Nos anos 20 e começo da década seguinte, a supremacia francesa continuou com a Bugatti, além de boas participações da Delage e Delahaye nos GPs.

Depois da segunda guerra, as coisas não foram muito bem para os franceses. O Talbot-Lago compunha grande parte do grid, no primeiro campeonato em 1950, porém era um carro pesado, sem bastante potência para combater os carros italianos. A Gordini nunca conseguiu um nível bom, e o curto resurgimento da Bugatti no meio da década foi um fracasso.

Nos anos 60 sobrou para a Matra, fabricante de mísseis, a incumbência de restaurar o orgulho francês na F1, além de construir alguns carros de rua como o Djet. Primeiro na F3 e depois na F2, a Matra obteve bastante sucesso, até desembarcar na F1, em 1968. Na categoria máxima, conseguiu nove vitórias em 1968 e 69, e o título mundial com Jackie Stewart, com o carro com motor Cosworth. Ocorre que a Matra tinha lá outras ambições, e queria usar seu motor de 12 cilindros, e não o inglês Cosworth, o que basicamente causou seu divórcio com a equipe de Ken Tyrrel. Nos anos seguintes, a Matra batalhou na F1, até pendurar as chuteiras em 1972, e seu único sucesso foi uma vitória no GP da Argentina de 1971 não válido para o campeonato, com Chris Amon. Enquanto isso, desenvolvia seus protótipos, que simplesmente arrasaram com a concorrência em 1973 e 74, já com o nome Matra-Simca. Como era uma época de crise, a Matra-Simca acabou saindo também do Mundial de Marcas, após seu segundo sucesso. Durante um curto namoro com a Shadow, a Matra buscava outro parceiro para fornecer seu 12 cilindros. Não havia desistido da F1.

Guy Ligier chegou a correr na F1, em meados dos anos 60. Não foi um bota, porém, pontuou. Sua vocação era mesmo construir carros, e em 1970, já havia um Ligier com motor Cosworth nas 24 Horas de Le Mans, com Guy ao volante. Após usar o motor Maserati, eventualmente Ligier obteve seu melhor resultado na grande corrida francesa, o segundo lugar com Jean Louis Lafosse e Guy Chasseuil, na edição de 1975. Enquanto isso, preparava seu ataque à F1.

No ano seguinte, surgiu o Ligier com o motor Matra. Pilotado por Jacques Laffite, o carro demonstrou ser razoavelmente competitivo já no ano de estreia, obtendo inclusive a pole no GP da Itália (o motor Matra adorava Monza...). Porém, o grande tirunfo veio em 1977, quando Laffite ganhou sua primeira prova, também a primeira vitória do motor Matra na F1, depois de quase 10 anos, no GP da Suécia. A Ligier continuou a honrar a camisa francesa durante muitos anos, embora logo tenha chegado no pedaço a Renault, que com a força de uma grande montadora, simplesmente eclipsou os feitos da Ligier.

Eventualmente, a equipe Ligier foi vendida para Cyril de Rouvre, em 1992, acabou nas mãos de Flavio Briatore, e em 1996, foi vendida para Alain Prost, que mudou seu nome para Prost, falindo clamorosamente após uma breve pseudo sociedade com a família Diniz.

Numa das minhas andanças por Paris, um belo dia vi um micro carro que nunca tinha visto na vida. Curioso, procurei saber seu nome. LIGIER! Quase apoplético, fiquei a pensar, o que deu na cabeça do Guy!

Muitos anos depois, Ligier continua a construir seus microcarros, que aliás, não são horríveis como alguns modelos japoneses .O site é http://www.ligier.fr/



O carrinho é vendido por aproximadamente 10.000 Euros. Não há muitos deles pela França, e aqui fica a grande questão. Numa época em que tudo é economia de escala no mundo automobilístico, e o custo de desenvolver um modelo é absurdamente alto, e até montadoras lucrativas como a Toyota fazem parcerias com concorrentes para diminuir seus custos, como Monsieur Ligier pretende ganhar dinheiro com um modelo popular, aparentemente sem parceria com nenhuma grande montadora. O mais lógico, parece, seria construir um modelo esporte, e assim desfrutar do pedigrée de ex-marca de F1, evidente ainda hoje no seu logotipo.

Desejo boa sorte a Guy e sua empreitada, embora, pela lógica, o Ligier JS50 não tenha um futuro muito auspicioso. Cabe frisar que, diferente do Vanwall e do Connaught, o dono desta Ligier é o mesmo da Ligier da época da F1.

Com certeza vou procurar os carrinhos na minha próxima viagem a Paris.

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami   

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RESULTADOS DE CORRIDAS BRASILEIRAS REMOVIDOS DO BLOG

O taxista de São Paulo, e muito disse não disse

DO CÉU AO INFERNO EM DUAS SEMANAS - A STOCK-CAR EM 1979