Todos nascemos lobistas

Um dia destes, fui no banheiro na casa de amigos, e encontrei uma revista com uma entrevista de capa com Vitor Belfort. Nas circunstâncias - um long pitstop no banheiro - decidi ler. Não levem a mal os amantes da MMA (UFC), porém esta seria a única circunstância (um evento intestinal mal resolvido) que me levaria a ler sobre tal assunto na revista GQ brasileira.

Tenho uma série de políticas. Uma delas é nunca discutir com um passador de carnes numa churrascaria. Com um facão imenso, sanguinolento e reluzente daqueles, além do amplo e desprotegido acesso ao meu pescoço, prefiro dizer que tudo está maravilhoso e que ele é a pessoa mais legal do mundo. Outra política é também não peitar um lutador de MMA. Esta última política fica na tese, pois embora já tenha interagido com centenas (quem sabe milhares) de passadores de carne, nunca tive contato pessoal com um lutador profissional de MMA.  As razões para contemporizar são as mesmas - o interlocutor tem acesso a armas letais, e eu, fico desprotegido! Não dá! Até resistir a um assalto com arma de fogo é menos imprudente, afinal de contas, a arma pode falhar ou ser de brinquedo. Os braços, pernas e testa de um lutador de MMA não falham, nem são de brinquedo.

Como existe pouquíssima chance de chegar a conhecer Vitor Belfort, e menos chance ainda dele ler este post, resolvi escrevê-lo sem me esconder covardemente atrás do anonimato de um "nom du plume". Se parar de escrever permanentemente, quem sabe Vitor me achou...

Incrível como todos somos lobistas natos. Alguns fazem lobby por coisas consideradas justas, como manter a arborização das cidades e dar leite às criancinhas. Porém, outros ganham rios de dinheiro para proteger os interesses espúrios de fabricantes de cigarro, poluidores contumazes, armas nucleares, etc, etc. O lobista arranja, de uma forma ou outra, argumentações das mais estapafúrdias para proteger os interesses do seu cliente, ou dele mesmo. Podem ser razões econômicas, culturais, sociais, tecnológicas, pseudo-científicas, nacionalistas, etc, porém, muitas beiram no ilógico.

Belfort foi um pouco além do justificável, quando disse que o MMA não é violento - violenta seria a Fórmula 1!

Pasmem, exatamente de onde o grande lutador tirou esta tese? Inicialmente, parece não ter noção de que perigo e violência são duas coisas diferentes, bastante diferentes. A F1 é perigosa, sim. Já foi mais perigosa do que hoje em dia, porém, ainda é uma atividade perigosa. Não é, entretanto, violenta, pois o OBJETIVO do esporte não é eliminar seu concorrente, mas sim, correr mais do que ele. O mesmo ocorre com o ciclismo. Já o MMA é inerente e ontologicamente violento. O objetivo é dar um nocaute no cara, e se sangrar, desacordar ou quebrar um nariz, melhor ainda!

No intuito de proteger seu turfo e ganha-pão, o lutador comete uma homérica gafe. Repito, sem precisar - perigo e violência são duas coisas MUITO diferentes. O bombeiro tem uma atividade perigosa, o assaltante, uma atividade violenta.

Meu pai foi vice-campeão paulista de boxe em 1948. Na luta final, levou um nocaute do campeão que o deixou desacordado por dois dias! Nunca mais foi o mesmo neurologicamente, e, sem dúvida, as miríades de porradas que levou na cabeça tiveram uma parte importante nesse quadro. Tudo isso devido à violência do esporte que escolheu.

Pronto, está dito. Vitor Belfort falou uma grande besteira.

Agora, é esperar nunca encontrá-lo pessoalmente.

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami  

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O taxista de São Paulo, e muito disse não disse

RESULTADOS DE CORRIDAS BRASILEIRAS REMOVIDOS DO BLOG

DO CÉU AO INFERNO EM DUAS SEMANAS - A STOCK-CAR EM 1979