Pilotos de Fórmula 1 desconhecidos
Outro dia
alguém lançou essa resenha num grupo do Facebook, e obviamente, muita gente não
entendeu o intuito. Imagino que tenham confundido “desconhecido” com “indevidamente
reconhecido” ou pilotos que caíram no ostracismo com o passar dos anos, apesar
de conhecidos na época. Para mim, piloto desconhecido seria um piloto que
chegou à categoria apesar de pouco pedigrê quantitativo e qualitativo em
categorias inferiores, e que fez umas poucas tentativas, frequentemente, uma única
tentativa de correr na F-1.
Cada qual
tem sua opinião, e respeito isso. Porém, no Brasil muitos consideram que Lance
Stroll não tem nenhum mérito, e que não deveria estar na F-1. Oras, o rapaz foi
campeão europeu de F-3 em 2016, e ganhou nada menos do que 14 corridas! Ainda
lembro que as “realizações” da galera brasileira que invadiu a F-3 inglesa em
1974 eram celebradas como conquistas!!! Um número grande de pilotos brazucas se
aventurou naquele campeonato, naquele ano, e apesar de pouquíssimos
concorrentes de modo geral (algumas corridas tinham menos de dez participantes),
somente Alex Dias Ribeiro ganhou duas corridas! Os quintos e sextos lugares
eram efusivamente celebrados como títulos. Sergey Sirotkin também não é um mau
piloto. Certamente os dois são melhores ou tão bons quanto qualquer piloto
brasileiro no mercado. Se seus pais são bilionários, isto não é demérito
técnico. Ao vencedor as batatas...e aos perdedores as cascas.
Voltando ao
assunto. Na década de 70, houve um fluxo muito grande destes pilotos “desconhecidos”
na F-1, por diversos fatores. Primeiro, havia uma quantidade imensa de motores
Cosworth na praça. Segundo, durante boa parte da década, diversos construtores
venderam chassis antigos para quem aparecesse com alguma grana – McLaren, Surtees,
Brabham, Hesketh, Tyrrel, Williams, Penske, sem contar a March, que fornecia
chassis novos e vendia antigos. Até mesmo uma Ferrari particular apareceu numa
corrida extra-campeonato na década, com Giancarlo Martini. Terceiro, fazer uma
corridinha ou outra não custava tanto dinheiro assim, quinze a vinte-cinco mil
dólares. Assim, apareceram diversos “privateers” e equipes como RAM e BS Fabrications,
cuja existência se resumia a alugar carros para rent-a-drivers. Alguns
construtores como Shadow, Surtees e Williams também alugaram carros para
pilotos “desconhecidos” nesta época. Eventualmente, a F-1 foi se organizando.
Equipes de 1 carro foram proibidas, equipes passaram a ser obrigadas a disputar
todas as corridas do campeonato, foi proibido usar chassis produzidos por terceiros e até mudanças de patrocínio de uma corrida
para outra foram restritas ou proibidas. Ou seja, quem diz que hoje é a era do
rent-a-drive na F-1, certamente não conhece o esporte.
Comecemos então.
Muitos “desconhecidos”
simplesmente entraram na F-1 antes da hora. Foi o caso do holandês Michael
Bleekemolen, que em 1977, quando ainda era mero piloto de Fórmula Ford 2000,
foi inscrito no GP da Holanda num March-761
da RAM Racing, com patrocínio da F&S Properties. Obviamente, não chegou
perto de se classificar. Michael não era um mau piloto, tanto que no ano
seguinte resolveu fazer o campeonato europeu de F-3, e foi quinto. Insistiu,
porém, na falácia de entrar na F-1 fora da hora, e usou a grana do seu
patrocinador F&S Properties tentando se classificar em quatro GPs naquele mesmo ano de 1978 com um fraco ATS. Só conseguiu largar em Watkins Glen, e abandonou. Foi o fim da carreira de
Bleekemolen na F-1, que continuou na F-3, sendo inclusive vice-campeão do
europeu de 1979, atrás somente de Alain Prost. Cabe lembrar que entre outros participantes
daquele campeonato estavam Mauro Baldi, Philippre Streiff, Michele Alboreto,
Thierry Boutsen, Mike Thackwell e Chico Serra, ou seja, muitos feras. Michael eventualmente se tornou
um dos principais pilotos da monomarca Renault R5, onde encontrou sucesso e
sossegou o facho.
Bleekemolen,
suponho, copiou o otimismo de outro holandês, Boy Hayje, que também se tornou
figurinha carimbada da Série Renault R5, depois de frustradas as tentativas na
F-1. Em 1976, mero piloto de F-3 com um único terceiro lugar em Monza, e
colocações intermediárias no BP Super Visco, Boy achou que tinha cacife para a
F-1, e disputou o GP da Holanda com um Penske PC3. Surpreendentemente, não foi
tão mal – se classificou para a largada em 21o. lugar, porém, abandonou. No ano
seguinte, a tal F&S Properties, que devia ter uma veia masoquista, muito patriotismo ou vontade de jogar dinheiro fora, financiou
diversas corridas para Hayje, com um obsoleto March 761. Nas seis provas disputadas,
Hayje largou somente em duas, e seu melhor resultado foi terminar 7 voltas
atrás do vencedor no GP da Bélgica. Depois disso se debandou para os Renault R5.
Antes mesmo
de Hayje e Bleekemolen, outro patrocinador holandês, HB Bewaking Alarmsystems,
patrocinou a equipe Ensign em 1975, que inicialmente, alternou dois holandeses no
volante: o profissionalíssimo Gijs van Lennep e o desconhecidíssimo Roelof Wunderink.
Roelof, que havia feito algumas provas de F-5000 sem muita distinção, conseguiu
largar três vezes, em seis tentativas. Na Espanha conseguiu largar em 19o.,
embora alguns pilotos bons tenham boicotado a sessão de treinos, facilitando a vida
dos retardatários. A única corrida que terminou foi na Áustria, a 4 voltas do
vencedor. Depois da F-1, não lembro de ter visto o nome de Wunderink nos
resultados de corridas.
O
dinamarquês Jac Nelleman foi outro piloto excessivamente otimista que gastou
uma boa grana para tentar largar numa corrida de F-1 fora da hora. Como Hayje, Nelleman era um
piloto de F-3 somente mediano quando tentou a sorte no GP da Suécia de 1976.
Munido de um Brabham BT-44 da RAM (sempre ela), Jac foi o último colocado nos
treinos, não se classificou e assistiu a corrida dos boxes.
Alguns “desconhecidos”
participaram das primeiras edições do GP da Suécia. Em 1974, Bertil Roos, sueco
com algumas corridas de F-2 no currículo, porém mais conhecido como piloto de Fórmula Super Vê, conseguiu pilotar o
segundo Shadow no GP do seu país. Largou em 23o. e não terminou. Eventualmente,
emigrou para os EUA onde ganhou diversos campeonatos (Super-Vê e Can Am 2
litros) e estabeleceu um curso de pilotagem.
Torsten
Palm era um dos principais pilotos de F-3 da Suécia na época de Ronnie Peterson
e Reine Wisell. Chegou a ter alguns bons resultados na F-2, e conseguiu
patrocínio da Polar Caravans, sendo inscrito em dois GPs em 1975, com um
Hesketh. Em Monaco, não conseguiu se classificar para a largada, pois a partir
daquele ano somente 20 carros largariam no principado, porém na Suécia, foi
classificado 10o, apesar de ter abandonado. Depois disso, Torsten desapareceu
das corridas.
Não podemos
esquecer os austríacos de 1976! Não sei o que se passa - quando um piloto de um
certo país se torna campeão mundial, todos pilotos desse país acham que os
louros da vitória estão no seu destino, no DNA, ou nos componentes da água consumida no país. Como
Lauda foi campeão em 1975, dois extremamente otimistas pilotos austríacos
acharam que estavam preparados para a categoria maior do automobilismo em 1976, embora
nada no seus currículos indicasse isso. Um deles, Otto Stuppacher, de fato
tinha corrido em dupla com Lauda num Porsche 910 no Mundial de Marcas de 1970.
Ou seja, já corria há um certo tempo, basicamente em carros esporte e subidas de montanha, quando
resolveu comprar um Tyrrell 007 e fazer algumas provas do campeonato de 1976. Tentou três vezes, e não largou nenhuma. Em
Monza, até poderia ter conseguido largar, pois Hunt, Mass e Watson foram
desclassificados, e Otto poderia ter tido sua humilde chance apesar de ter
marcado o último tempo. Porém, foi para casa antes da hora frustrado...
O outro
austríaco era mais meia boca ainda do que Stuppacher. Seu nome, Karl
Oppitzhauer. Foi inscrito no GP do seu país com um March da grande equipe “Sports
Car of Austria”(?), porém, dada a patente falta de experiência, não lhe foi permitido
sequer treinar. Confesso que nunca vi seu nome em resultados de corridas antes
ou depois dessa participação fantasma.
Às vezes, o
salto para a F-1 parece se basear num bom resultado ou participação isolada
numa única corrida. Isto parece ter sido o fato motivador de dois pilotos
suíços, curiosamente, ocorridos na mesma corrida, a Corrida do Estoril de F-2
de 1975. Loris Kessel liderou a maior parte da corrida, surpreendendo a todos. Eventualmente,
o carro do garagista quebrou, e perdeu a prova. Porém um conterrâneo, Jo Von Lanthen,
também surpreendeu chegando em segundo. Jo foi o primeiro a tentar cumprir seu "destino de glórias" – alugou o segundo carro de Frank Williams para o GP da Áustria
de 1975, e não se classificou. Von Lanthen já havia tentado a sorte com um Ensign
e com Williams em duas provas extra-campeonato, o Daily Express e GP da Suíça.
Depois desses fracassos, Jo voltou à F-2, porém, nunca mais reprisou sua retumbante performance portuguesa.
Já Kessel
acreditava mais no seu cacife. Juntou uns trocos, e foi inscrito cinco vezes
com Brabham BT44 da RAM em 1976. Conseguiu largar três vezes, e terminou 12o.
na Bélgica. Depois, em 1977, não contente com o fracasso do ano anterior,
Kessel tentou se tornar construtor! Pegou um Williams FW03 antigão, fez algumas
modificações, e resolveu rebatizá-lo Appolon. Foi o 33o. entre os 34 inscritos
que treinaram em Monza, e não se classificou, obviamente. Entretanto, Kessel
continuou no mundo das corridas, com alguns bons resultados na categoria GT e
Protótipos até uns dez anos atrás, e embora já morto, sua equipe ainda existe.
Loris não
foi o único a achar que poderia modificar um Williams da fase pré-Patrick Head
e transformá-lo num excelente carro. O australiano Brian McGuire, que foi junto
com Alan Jones tentar a sorte na Europa, era um fiel participante do Campeonato
Shellsport de Grupo 8, que substituiu a Fórmula 5000. Em 1976, McGuire ficou de
reserva do GP da Inglaterra, que tinha muitos inscritos. Em 77, já com o
vistoso nome de McGuire BM1, Brian fez o 35o. tempo entre os 36 inscritos no mesmo GP, e
não largou. No mesmo ano, morria nesse carro numa das provas em Brands Hatch.
O McGuire BM1
Um outro piloto que sofreu com os Williams nesta época foi o espanhol Emilio Zapico, inscrito no GP da Espanha de 1976. Marcou o 27o. tempo, que não foi suficiente para largar. Zapico frequentemente participava de provas internacionais no seu país, há alguns anos, inclusive no Campeonato de 2 Litros e Europeu de Turismo, obtendo alguns resultados razoáveis. Curiosamente, outro Emilio espanhol, o banqueiro De Villota, tentou um lugar ao sol nesta mesma corrida. Este último Emilio teria uma carreira mais longa na F-1, portanto, não discutirei sua carreira neste post.
Um dos meus
favoritos “desconhecidos” foi o italiano Gimax. Para mim não era desconhecido,
pois Gimax era frequente participante do Campeonato Italiano de Protótipos Dois
Litros, e corridas de subida de Montanha, que eu seguia nas Autosprint da época.
Não tenho ideia do que significa Gimax – convém lembrar que era comum pilotos italianos correrem sob
pseudônimo na época. Carlo Franchi – esse era seu nome – tentou largar no GP da
Itália de 1978, nos últimos dias da Surtees. Lógico que não largou, embora não
tenha sido o último colocado nos treinos. Curiosamente, seu filho também usou o
mesmo enigmático pseudônimo.
Um outro
italiano, Giorgio Francia, teve duas oportunidades de correr na F-1, em 1977 e
1981. Francia teve bom desempenho na F-3 italiana, obteve resultados intermediários na
F-2, e eventualmente foi contratado pela Alfa-Romeo. Isto o levou à sua
primeira oportunidade na categoria máxima – um Brabham Alfa no GP da Itália de
1977. Com 34 carros as chances de se classificar eram próximas de zero, apesar
de um carro razoável. A equipe retirou o carro após o primeiro treino. A
segunda oportunidade foi com a Osella, em 1981, no GP da Espanha. Duas não
classificações.
Enfim,
ainda tenho diversos outros “desconhecidos” em baixo da manga. Se este post for bem
sucedido, publico mais, caso contrário, será o primeiro e último da série. Deu muito
trabalho!!!
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