A CORRIDA SEM VENCEDOR
Outro dia
mesmo escrevi sobre uma corrida de F-3 realizada em Caserta, Itália, que
começou com muitos carros e terminou com somente quatro na pista. Já houve corridas
com menos carros na pista no final. A 3 horas de velocidade de 1972 terminou
com 3 carros na pista. Os GPs da Itália de 1926, da Bélgica de 1925 e Targa
Flório de 1910 terminaram com dois carros! Se não me falha a memória, já li
sobre corridas que terminaram com um carro só, principalmente aquelas longas
provas entre cidades do inicio do esporte. Não é disso que estou falando –
estou falando de uma corrida sem vencedor, embora tenha tido 2o, 3o, 4o....
Coisa
estranha. Coisa estranha como essa só poderia acontecer na NASCAR antiga.
Não se
trata de desclassificação do vencedor. Há quem diga que ele foi desclassificado,
porém há que diga que não houve desclassificação. De fato, a vitória foi
oficial durante algum tempo. O anuário Motor Sport Annual de Eddie Guba, sobre a temporada de 1971, claramente indica que houve um vencedor, Bobby Allison. Depois a vitória desapareceu dos
registros, sem muita explicação do porque. E tem mais, seria uma vitória
relevante por razões que ficam claras mais adiante.
A corrida
ocorreu em Winston-Salem, North Carolina, em 1971. O próprio ano é
significativo – foi o último ano da NASCAR tradicional, cujo calendário contava
com até 50 corridas por ano, misturando pistas de primeira, como Daytona e
Talladega, e pistas em obscuras cidades, com obscuros pilotos, e obscuros
carros. De 1972 em diante, a NASCAR
entrou na fase moderna, o calendário “enxugou” para 1972 e a pistas meia-boca
sairam fora do campeonato nacional. Carros e pilotos meia-boca ainda apareceram
durante alguns outros anos.
Com
calendário tão expansivo, e numa época em que o automobilismo, e
especificamente a NASCAR, não eram tão ricos (a fase televisiva começou em
1978, lembrem-se), obviamente os grids às vezes eram pequenos. Sendo assim,
precisavam de uma ajudinha para não
ficarem ridículos para um campeonato daquela estatura. Hoje em dia, qualquer
piloto da categoria principal da NASCAR termina o ano milionário. As épocas
eram outras – já na fase “moderna”, em algumas pistas mais modestas (as short
tracks), os primeiros pilotos a abandonar a corrida levavam para casa meros
quinhentos dólares, somente o dobro do que ganhava um trabalhador de construção
numa semana.
Mesmo considerando a inflação no curso de quarenta anos, a
diferença de valores é imensa.
Para encher
linguiça, e aumentar o grid, em certas corridas a NASCAR aceitava carros que
não eram da categoria Grand National (o vulgo Cup car de hoje), os literalmente
grandes stock-cars. Aceitavam pony-cars, os Mustang, Camaros, Javelins, carros
menores que disputavam a série Trans-Am. Foi esse o caso da corrida em Winston-Salem,
no dia 6 de agosto de 1971.
Ocorre que
um dos pilotos equipado com Mustang era o formidável Bobby Allison, que acabou
ganhando a corrida. Aqui inicia-se um mistério que até hoje não tem solução, 46
anos depois.
Allison ganhou
com seu humilde Mustang, levou a grana, levou o troféu, deve ter levado um
beijo ou outro no pódium, e durante algum tempo, seu nome apareceu como
vencedor da prova nos livros de recordes da NASCAR. Um belo dia, desapareceu.
Não houve
desclassificação na pista, repito. O carro estava em ordem, e não foi o único
pony-car a ganhar corridas naquele último mega-campeonato GN tradicional. Dois
Camaros ganharam corridas naquele ano.
E o segundo
colocado – Richard Petty, campeão naquele ano que ganhou mais de duas dezenas
de corridas – não recebeu o primeiro lugar de lambuja, o que geralmente acontece
quando o vencedor é desclassificado – pergunte para Nelson Piquet, desclassificado
da sua vitória no Brasil em 1982. Petty ainda aparece como segundo colocado na
corrida.
Um já
defunto executivo da NASCAR alegou que o carro havia sido desclassificado dias
após a corrida, mas isso não explica porque a vitória apareceu no nome de
Allison durante algum tempo, e depois ser retirada, e também porque o segundo
colocado não levou o caneco.
Isto tupo
pode parecer trivial, exceto que Bobby Allison está entre os Top-5 vencedores
de provas da NASCAR. De fato, na sua frente, somente Richard Petty e David Pearson.
Sem esta vitória de 1971, Allison estaria empatado com Darrell Waltrip, com 84.
Com a vitória Allison iria para terceiro, com 85. Jimmy Johnson está logo atrás
com 83.
Allison hoje
tem oitenta anos. Sua cognição não é lá grande coisa, porém está ciente da
celeuma. Allison teve algumas homéricas brigas com dirigentes da NASCAR, e há
quem ache que isso foi payback por alguma mau criação do piloto do Alabama. Das
partes envolvidas, somente Allison está vivo, com pouca memória. Todos
dirigentes da NASCAR na época já se foram.
Quem sabe
esta fique para sempre sendo a corrida sem vencedor. Coisas da NASCAR.
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