Schopenhauer, meritocracia, uma questão de lógica, teorias doidas


Para ficar mais divertido, vou misturar a ordem das coisas.

Por uma questão de lógica, a carreira de um piloto só pode seguir três rumos.

Teve resultados compatíveis com seu desempenho.

Teve desempenho melhor do que seus resultados.

Teve resultados melhores do que seu desempenho.

No primeiro caso, o desempenho pode variar entre excelente a péssimo.

Por uma questão também quase lógica, o que fica na história, pelo menos no topo do iceberg, são os resultados. Os mais aprofundados estudantes do automobilismo buscarão o máximo possível de informações históricas, para chegar a uma conclusão sobre o desempenho. Afinal de contas, Nuvolari nunca correu com uma camera à bordo. Mesmo nos anos 60, até 70, poucas são as filmagens de corridas inteiras, mesmo de GPs, e às vezes pensamos que na própria Itália sempre deram ampla cobertura aos GPs. Isto é uma inverdade, foi lá por volta de 1978 que a RAI começou a apresentar GPs com mais frequência.

Assim, surgem estórias mal contadas sobre desempenho, cujo intuito principal é perverter a realidade. Uma delas, que circula bastante entre os italianos, é de que Luca di Montezemolo supostamente queria que fosse Niki Lauda o vencedor do título de 1974, e quando as coisas ficaram impossíveis para o austríaco, teria sido o próprio Montezemolo que ordenou a sabotagem do carro de Regazzoni no GP dos EUA, dando o título a Emerson! Há também teorias loucas sobre o sofrível desempenho de Carlos Reutemann no GP de Las Vegas de 1981, quando, largando na primeira fila, fez uma corrida ridícula, e perdeu o título para Piquet. As histórias, obviamente, não procedem, pois não acho que a Ferrari queria dar o título à McLaren, e a Williams para a Brabham.

Nesse caso específico, as loucas histórias envolvem títulos mundiais obtidos por brasileiros. A meu ver, tanto Regazzoni quanto Reutemann perderam os títulos de 1974 e 1981 por fraqueza psicológica. Sim, ambos foram excelentes pilotos, mas na hora "h", não tiveram aquele elemento psicológico que só os campeões têm. De fato, todos nossos três campeões mundiais de F1 tinham esse Q a mais, quem não foi, não tinha. Fico por aqui, tirem as conclusões que quiserem.

Daí, chegamos a Schopenhauer, o filósofo alemão do século XIX, conhecido como o decano do pessimismo. Num dos seus livros, Schopenhauer descreve com asco o sistema acadêmico alemão da época. Segundo o autor, o que preponderava eram egos fora de controle, com muito puxa-saquismo, e aqueles que conseguiam projeção, bons postos, ter seus livros publicados eram os puxa-sacos de plantão. Notem bem, isto ocorria na conhecidamente pragmática sociedade teutônica, numa época em que muitos acham que não havia puxa-sacos (sempre existiram, acreditem) e num meio supostamente mais racional.

Hoje em dia as coisas não são diferentes. O que esperar de um mundo no qual a maior fonte de informações qualifica-as de acordo com popularidade, e não conteúdo? Sim, pois o algoritmo do maior motor de busca do mundo calcula relevância de acordo com popularidade. Ou seja, basta ser popular, e você se torna relevante. Pode estar falando somente besteiras e inverdades, porém, você é o cara. Assim, a meritocracia é, na realidade, uma falácia. Mais importante do que conteúdo é a habilidade e atuação política , networking (para não dizer, puxa-saquismo) ou mesmo simpatia de uma pessoa, seja qual for a área. A qualidade intrínseca é quase sempre secundária, portanto, o mérito também. Ninguém "descobre" ninguém, isto é papo para boi dormir, e os antipáticos se afundam no ranking internáutico.

Imagino que o Schopenhauer teria cometido suicídio se vivesse uma semana na sociedade atual.

Carlos de Paula é tradutor e historiador de automobilismo, baseado em Miami

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O taxista de São Paulo, e muito disse não disse

RESULTADOS DE CORRIDAS BRASILEIRAS REMOVIDOS DO BLOG

DO CÉU AO INFERNO EM DUAS SEMANAS - A STOCK-CAR EM 1979