Rumores e fatos


O mundo é tão movido por rumores como fatos. Às vezes diria que os rumores contam mais do que os fatos.

No meio da temporada de 1975, corria solto na Europa o rumor de que Emerson Fittipaldi se aposentaria da Fórmula 1, na realidade, do automobilismo, no final daquele ano. Provavelmente é a primeira vez que você ouve isso, pois a imprensa brasileira tinha (e alguns dos seus integrantes ainda têm) uma maneira sui generis de cobrir o automobilismo, quase como torcedores em vez de jornalistas objetivos. Concordo, rumores estão longe de ser objetivos, mas o fato é que os rumores existiam, e não se falou desse rumor no Brasil.

Emerson era o campeão do mundo reinante em 1975, e ganhou a primeira prova daquela temporada. Na realidade, uma reprise do que ocorreu no biênio 1972-73, com uma diferença. No intervalo de 14 corridas entre o GP da Espanha de 1972, primeira vitória de Emerson na temporada, e o GP da Espanha de 1973, Emerson tinha ganho oito GPs oficiais, sem contar quatro corridas de Fórmula 2 e outras quatro de F-1/F-Libre não oficiais. Ou seja, ganhara nada menos do que dezesseis corridas num curto espaço de mais ou menos doze meses. Já no biênio 1974-75, Emerson ganhara somente quatro. Ainda era o cara, mas não era O CARA.

Na realidade, durante grande parte de 1975 a McLaren teve problemas. Apesar da vitória na Argentina e segundo lugar no Brasil, que deram a Emerson a liderança no começo do campeonato, pouco a pouco a McLaren começou a perder espaço para a Ferrari e até mesmo outras equipes, como Brabham, Tyrrel, Hesketh e a própria March que quase não disputa a temporada de 1975. A única outra vitória de Emerson no ano, em Silverstone, não ocorreu por que o M23 era o carro mais rápido da corrida, mas sim por que Emerson tinha o toque de Midas e manteve o carro na pista, enquanto todo mundo rodava.

Desde a fundação, a McLaren era uma equipe com dois componentes, o americano e o europeu. No início, a parte americana da McLaren se dedicava à Can-Am, série que foi dominada pela equipe fundada pelo neozelandês Bruce. De fato, as realizações da equipe de Formula 1, o braço europeu, eram pequenas em relação ao completo domínio da Can-Am. Eventualmente, com o aparecimento do Porsche 917 Turbo, a McLaren saiu da Can-Am, que de todos os modos, colapsou em 1974, e passou a se dedicar à Formula Indy, onde obtinha bons resultados desde 1970, com sua equipe oficial e com a equipe de Roger Penske. Peter Revson fez a pole em Indy em 1971, e Mark Donohue ganhou a prova de 1972, com um carro da Penske.
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Com a morte de Bruce em 1970, a McLaren ficou nas mãos de Teddy Mayer, Tyler Alexander, Denny Hulme e a viúva de Bruce. Também importante era o gerente de negócios, Phil Kerr. Os dois primeiros eram americanos, e os três últimos, neozelandeses. Para dar um pouco de equilíbrio, o engenheiro chefe era o inglês Gordon Coppuck, que substituiu o compatriota Robin Herd quando este passou para a March.

Durante 1975, os neozelandeses planejavam se afastar da McLaren. Denny Hulme se aposentara como piloto de F-1 em 1974, e permanecia na McLaren numa função de apoio, consultiva. A viúva de Bruce, ainda proprietária de muitas ações, iria se casar novamente com um homem que não tinha nada a ver com o automobilismo. Phil Kerr também queria voltar para a Nova Zelândia. Ou seja, ficava a McLaren nas mãos de americanos, sem contar que os patrocinadores da equipe, a Texaco e Marlboro eram empresas americanas.

Segundo outro rumor a McLaren iria sair da F-1, e se concentar nos Estados Unidos. Entre outras coisas, Johnny Rutherford ganhara a Indy 500 com o McLaren de fábrica em 1974. Quanto a Emerson Fittipaldi, este testara o McLaren de Formula Indy em 1974, e dissera, para quem quisesse ouvir, que nunca pilotaria um carro daqueles em competições. É bem verdade que eventualmente Emerson se tornou um piloto de Formula Indy, e muito bem sucedido, diga-se de passagem. Muitas vezes temos que engolir nossas próprias palavras por que a vida muda, e a própria Formula Indy mudou. Cabe aqui um parenteses. A corrida de Indy de 1973 foi uma das mais sangrentas da história, com as mortes de Art Pollard e Swede Savage, e diversos outros acidentes. Tirem as suas conclusões.

Em suma, parece ter acontecido com a McLaren algo que acontece com pessoas ou organizações quando atingem um objetivo - relaxam um pouco, e perdem o foco e a motivação. Isto é mais frequente do que pensam em psicologia esportiva, e até mesmo no mundo dos negócios. A McLaren, em vias de perder sua "alma neozelandesa", perdia conexão com seu foco e motivação inicial.

Eventualmente, ficou claro que se passou pela cabeça de Emerson se aposentar no fim daquela temporada, o pensamento foi passageiro. Nas últimas provas do ano o McLaren M23 estava acertadíssimo, e deu muito trabalho para as Ferrari. Emerson ainda era muito novo, de fato, mal fizera 29 anos. Não que isto seja tão raro assim. Alguns anos depois, Jody Scheckter se aposentara antes de fazer trinta anos, perdendo a motivação após ganhar o campeonato de 1979.

O mundo automobilístico ficou chocado quando Emerson anunciou que largaria a poderosa McLaren em 1976, e passaria para a ainda iniciante equipe Copersucar, que nem um ponto marcara no Mundial. Não há dúvida de que Emerson sabia muito bem o que passava na McLaren, e para um insider como ele, parecia não haver muito futuro na equipe fundada por Bruce, pelo menos na F1.

A equipe contratou James Hunt, o rapidíssimo inglês com muita coisa para provar que ficara a pé com o fechamento da equipe Hesketh, o que certamente deu uma injeção de ânimo. A McLaren acabou campeã em 1976, e ganhou mais três corridas em 1977. Só que a McLaren ainda estava muito doente. Um total marasmo tomou conta da equipe em 1978, ainda reflexo do marasmo de 1975. De fato, este nunca tinha sido curado. O M26 estava longe de ser um substituto no nível do longevo M23, e de fato, só foi competitivo em 1977, e em 1978 James Hunt perdeu completamente sua motivação. Para piorar as coisas, o piloto que poderia salvar a pátria em 1979, Ronnie Peterson, morreu antes de pilotar um McLaren pela primeira vez. Em 1979, a McLaren era uma equipe moribunda, e só foi salva por que foi comprada por Ron Dennis, com apoio da Marlboro.

Emerson não estava de todo errado, se é que considerou o ambiente na equipe no final de 1975 para pular fora.

Eventualmente, Teddy Mayer voltou para os Estados Unidos, montando uma equipe de Formula Indy com patrocínio da Texaco, pois em 1979 a McLaren já tinha saído da Formula Indy. Curiosamente, esteve envolvido no fracassado projeto Haas Lola na Formula 1 em meados da década de 80. Foi contratado pela Penske, onde o destino uniu Emerson-Mayer-Marlboro mais uma vez.

Basta conectar os pontinhos.

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