A decadência da Indy 500

Convenhamos que é um pouco difícil falar de decadência de uma corrida cujo vencedor ganha mais de 2 milhões de dólares, no evento esportivo com a maior plateia "in loco" do mundo, transmitido por TV para inúmeros países. A decadência à qual me refiro é, certamente, local e relativa. O que a Indy 500 já representou e o que representa hoje nos Estados Unidos. Acho que falo com bom conhecimento de causa, afinal de contas, moro aqui há quase 38 anos.

Cheguei aos EUA no final de 1976, de forma que a primeira edição de Indy que pude seguir em solo americano foi a de 1977. Muitos se lembrarão que este foi o ano em que o grande A.J. Foyt ganhou a sua quarta Indy, algo que tentava desde 1967. O recorde perdura até hoje, embora compartilhado.

Naquela altura das coisas, o campeonato da USAC ainda era considerado O campeonato nacional de automobilismo americano. A NASCAR já fazia bastante sucesso, porém, as transmissões ao vivo da categoria só iniciariam em 1978, e o fenômeno de marketing só pegaria fogo nos anos 80. Para o americano médio, que não seguia automobilismo, este se resumia a Indy 500. Hoje em dia, o sinônimo é NASCAR.

Não só era a corrida predominantemente americana, como corriam na época, além de Foyt, os dois irmãos Unser, Mario Andretti, Rick Mears, Wally Dallenbach, Gary Bettenhausen, Gordon Johncok, Johnnie Rutherford, Tom Sneva, além de diversos campeões de Sprint cars, Midgets, Stock cars, carros esporte, Fórmula 5000, etc. Estrangeiros eram poucos - naquele ano fazia furor a participação de Clay Reggazoni, na época já em decadência na sua carreira na Fórmula 1, e que desapontou. Além disso, uma mulher se metia no meio dos homens naquele mesmo ano.

Falando em F1, poucas corridas eram transmitidas no mesmo dia nos EUA. Os GPs da França, Monaco e os dois dos Estados Unidos passavam no mesmo dia. Trechos de outros, como Canadá, passavam no programa Wide World of Sports.  Porém, apesar das grandes performances do americano Mario Andretti, a maioria dos americanos não tinha a mínima ideia do que era Fórmula 1.A TV a cabo era nascente, e o primeiro canal só de esportes, a ESPN, surgiu em 1979.

Nos esportes o americano era bastante xenófobo naquela época. O que importava era o que acontecia aqui. Ponto final. E na cabeça de muitos, o melhor piloto do mundo era mesmo o Foyt e a única corrida do mundo que interessava, era a Indy 500.

Quase quarenta anos depois, muita coisa mudou. Hoje não existe na Indycar nenhum grande heroi americano como foi Foyt, nem mesmo os Unsers e Mario. Atualmente, os sinônimos de corredores, para o americano médio, são Jeff Gordon, Jimmy Johnson, e Dale Earnhardt Junior, não Ryan Hunter-Rehay ou Marco Andretti. Ed Carpenter fez a pole dois anos seguidos, mas não é nenhum Foyt. A espevitada e super popular Danica Patrick inclusive resolveu se mandar da Indy para a NASCAR.

O próprio campeonato da USAC passou de um verdadeiro campeonato nacional de automobilismo para um campeonato internacional. Na realidade, houve uma fusão do que restou da internacionalizada Can-Am dos anos 60 e 70 com a USAC, tanto em termos de pistas, como Mid-Ohio e Road America, como equipes (VDS, Trueman, Newman, Galles), além do sabor internacional. Isso foi bom para os pilotos de outras paragens, como nossos conterrâneos, que buscavam uma opção para a Fórmula 1. Porém, enfraqueceu o impacto local da Indycar, como categoria essencialmente americana, e do seu Super Bowl, a Indy 500.

Outros fatores devem ser considerados. No seu auge, mais de 70 pilotos se inscreviam na grande corrida, que só tinha, como hoje, 33 lugares no grid. Nesse ano, ninguém ficou de fora! Houve edições em que carros especiais eram preparados para a corrida. Atualmente, todos correm com o mesmo chassis. A corrida era tão importante que o evento tomava o mês de maio inteiro, entre treinos, testes para rookies, e o temível qualifying, e o mais temível bubble day. Carreiras eram feitas e acabavam na Indy 500.

Hoje, para vender um pacote para patrocínadores, é necessário fortalecer a importância relativa do resto do campeonato, a sua percepção em comparação com a Indy 500. Pilotos que ganharam o campeonato da USAC  porém nunca triunfaram em Indy, como Joe Leonard, não obtiveram muito prestígio. Apesar da importância do campeonato, enquanto campeonato nacional, o peso relativo da Indy 500 era tão grande que ganhar o campeonato se tornava algo secundário. A meu ver, isso abriu o caminho para a expansão da NASCAR como categoria, e redefinição do que é automobilismo para o grande público americano.

O segundo golpe, a meu ver, foi a fraquíssima edição de 1996, causada pela criação da IRL. Aquela edição foi ganha por Buddy Lazier, um fraco piloto na CART, pilotando um carro de uma equipe de segunda na CART, a Hemelgarn. Alguns notarão o incrível fato - o piloto que ocupa a última posição no grid neste ano é justamente Lazier.

Muitos dizem - e eu concordo - que a tal briga entre IRL e a CART ajudou a enterrar as corridas de monopostos nos EUA, dando a vitória de lambuja para a NASCAR. O fato de a IRL ter "vencido", em última análise, não significou muito. O preço foi uma audiência local cada vez menor de todas as corridas da Indycar e da própria Indy 500, e diminuição do impacto da grande corrida.

Será que algum dia a Indy 500 volta aos seus tempos áureos? Confesso que duvido um pouco. Continuará a ser a principal corrida de monopostos do país, certamente, e sonho de muitos pilotos. Porém, o auge da corrida centenária realmente ficou no passado.

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