O patrocínio comercial na F1

Acredito muito em causa e efeito. Existem razões pelas quais as coisas ocorrem quando ocorrem. Sendo assim, o patrocínio comercial foi adotado na Fórmula 1, em 1968, por que não podia deixar de sê-lo naquela instância.

Certamente é difícil apontar uma única razão. Houve diversas, em graus diferentes de importância, portanto, eis algumas.

Até o início de 1968, os carros de F-1 não eram usados para o patrocínio comercial de cigarros, perfumes, e outras coisas. Apareciam neles somente adesivos discretos de fabricantes de pneus, gasolina, etc, ou seja, coisas diretamente ligadas ao automobilismo. Não que não existisse o patrocínio.  Yeoman Credit e UDT, instituições financeiras, já patrocinavam equipes de F1 bem antes de 1968. É bem verdade que os logotipos não apareciam nos carros, e o impacto destas empresas era local, no Reino Unido, pois não eram bancos internacionais.

A meu ver, a razão mais óbvia para a adoção do patrocínio comercial na Fórmula 1 é que este já era praticado, há muito tempo, num país que, em meados da década, ameaçava a hegemonia da categoria como lugar predileto para praticar o automobilismo- sim, nos Estados Unidos.

O patrocínio comercial era tão ubíquo nos EUA que os carros de Indianapolis eram conhecidos pelos nomes dos seus patrocinadores (Bowes Seal Fast, etc). E na NASCAR, os carros também já eram cheios de adesivos.

Embora o Brasil seguisse mais a linha do automobilismo europeu, há muito tempo nomes de patrocinadores apareciam nos carros de corrida brasileiros. A cerveja Caracu, por exemplo, patrocinava Chico Landi ostensivamente já nos anos 40, e mesmo as carreteras sulinas tinham nomes de patrocinadores em franca evidência. É verdade que muitas vezes os nomes dos mecenas era mal e porcamente escrito, verdadeira queimação de filme, o anti-marketing. Porém, cabe lembrar que tanto no Brasil como na Argentina os carros de corrida eram usados para promoção de empresas antes mesmo de a prática ser adotada na F1.

Apesar de todo prestígio e tradição da F1, seus pilotos não ganhavam rios de dinheiro na época. De fato, os grandes pilotos eram obrigados a correr quase todos os fins de semana para fortalecer o orçamento, em lugares distantes como Cuba, Nova Zelândia, África do Sul, outros países da África e Bahamas.

Os pilotos começaram a explorar as xenófobas corridas americanas após a excursão de Jack Brabham a Indianapolis. Outros europeus já tinham disputado a grande corrida desde seu início, porém, as participações de pilotos do velho continente não era constante. Aí Jim Clark e a Lotus encanaram com a corrida, ganharam-na em 1965, seguido de sucesso de Graham Hill em 1966 com uma Lola. Depois disso, diversos pilotos de F1 tentaram a sorte em Indy.

Além disso, as corridas de carros do Grupo 7, que fizeram algum sucesso na Inglaterra, foram adotadas nos EUA, ao mesmo tempo que acabaram na Inglaterra. Os Grupo 7 eram mais rápidos que os carros de F1 na época, e alguns diriam, muito mais emocionantes de assistir, certamente muito mais potentes. Eventualmente as corridas de G7 na América do Norte viraram a Can-Am, e diversos pilotos de F1 passaram a correr na categoria. John  Surtees, Bruce McLaren, Denis Hulme, Chris Amon, Pedro Rodriguez, Dan Gurney, Phil Hill, Masten Gregory, Graham Hill, Jackie Stewart, Ludovico Scarfiotti, Mike Spence.  Isto porque a Can Am pagava prêmios supostamente melhores do que a F1.

Até a NASCAR chegou a chamar a atenção dos Europeus, porém, na época a categoria ainda era relativamente pobre. Mas até Jim Clark correu nos stockers.

Tudo isso aconteceu entre a era da F-1 de 1,5 litro até 1967. Cabe lembrar que na época, as grandes equipes pagavam muito pouco a seus pilotos. A Ferrari, por exemplo, pagou somente US$25.000 a Chris Amon em 1968 (para correr em F1, F2, Tasmânia e Can Am), e muito menos do que isso em 1967. É verdade que esse valor não era tão pífio nessa época, porém, não era grande coisa.

No primeiro ano, o montante total de prêmios da Can Am foi US$378.000. Não era muita coisa, comparado com os US$175.000 ganhos por Graham Hill em Indy em 1966, porém, o mais rico prêmio da F1 era pago por Watkins Glen, US$20.000 ( quase o mesmo prêmio pago ao campeão da Can Am em 1966, Surtees, por ganhar o campeonato), e nenhum outro GP pagava prêmios tão altos. É preciso lembrar que cada organizador de F1 pagava o que podia. em 1967, os prêmios aumentaram 40%, enquanto na F1 não houve mudança perceptível. Na sua fase inicial a Can Am era disputada no finalzinho do calendário de F1, de forma que não havia atrito com os calendários europeus.   Agora, o que ocorreria se a Can Am fosse disputada na mesma época que os GPs de F1, F2 e Mundial de Marcas (o que eventualmente ocorreu)? Uma possível ameaça à hegemonia da F1, isto ocorreria.

A TV ainda não era um fator na época. Só passaria a sê-lo na década de 70, quando Bernie Ecclestone tomou as rédeas da promoção comercial da F1. Canais de TV eram poucos na Europa, e as corridas tinham que disputar espaço com muitas outras coisas. Porém, o envolvimento de patrocinadores comerciais foi importante para contextualizar a F1 na TV, pois já não estava vendendo Matra, BRM e Lotus, sim Elf, Yardley e Gold Leaf. As rodas do comércio não podem ser freadas.

Para pagar mais aos seus pilotos, as equipes tinham que arranjar dinheiro de algum lado. E este lado foi o patrocínio. As equipes de F1 viviam existências bastante precárias na época. O envolvimento de montadoras era pequeno na F1 naquela época, e os fabricantes de pneus e gasolina já achavam que investiam muito.

Em pouco tempo, quase o grid inteiro já era usado para promover uma série de produtos e serviços, e de fato, Jackie Stewart se tornara o primeiro piloto do mundo a ganhar um milhão de dólares de salário na temporada de 1971, pagos pela Elf e Ford. Cabe lembrar que Stewart só correu em uma outra categoria naquela temporada...a Can Am. O patrocínio comercial também possibilitou a contratação exclusiva dos pilotos na F1, algo que era impossível na era anterior.

Dizer que o sucesso e ameaça da rica Can Am foi a única razão do patrocínio ser adotado na F1 seria quase ridículo. Porém, com certeza foi uma razão fortíssima. O pessoal da F1 acordou rapidamente.

Carlos de Paula é tradutor, escritor e historiador de automobilismo baseado em Miami

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