Muito barulho sobre o barulho - uma ótica diferente

Um dos assuntos mais discutidos sobre a Fórmula 1 atual é o barulho dos carros, que aparentemente não agradou a muitos fãs. Sem contar donos de equipes, pilotos, jornalistas, etc. Só o Papa não se manifestou sobre o assunto.

Para quem não sabe, tenho uma deficiência auditiva. Num dos exames, o técnico disse que me restavam 18% no ouvido direito e 53% no esquerdo. Numa outra audiometria, aparentemente os resultados são relativamente mais auspiciosos. Porém a realidade nua e crua é uma só, estou ficando surdo. Quer dizer, já sou surdo!!!

A surdez é uma deficiência curiosa. É levada muito na esportiva pelas pessoas (não surdas, lógico). Vejam só, o instrumento mais ruidoso de uma escola de samba se chama "surdo". Que gracinha! Raramente você vê alguém gozando de um cego por que não enxerga, porém, o mesmo não ocorre com o surdo. Riem da sua cara quando você entende algo errado, o cego ajudam a atravessar a rua com uma cara condoída. As pessoas xingam as outras de surdas com uma grande facilidade, equiparando a condição a uma forma de idiotice e deficiência mental. É como se fosse uma deficiência light. Porém, acreditem, não é. Você fica bastante isolado de tudo e de todos, sem contar a terrível possibilidade de um dia ficar completamente sem audição e isolado.

No meu caso, a deficiência está me afastando de duas atividades que mais me agradam. Não posso mais tocar música ao vivo (o que fazia constantemente desde 1993, tocando teclados) e não convém ir às pistas.

Sei que para alguns, inclusive pilotos e músicos, exibir falta de audição é quase um troféu de guerra, uma tatuagem identificadora da tribo. A quase auto-imposta deficiência é exibida com orgulho. Orgulho besta, diria, pois ouvir, como enxergar, como todos outros sentidos, é uma coisa boa, muito boa.

Também gosto do uivo do motor Matra-Simca V12, do estrondo causado por 43 carros de NASCAR passando a 300 por hora numa reta, ou mesmo o registro mais leve de um monoposto de Indycar. Entendo também que o amálgama de sentidos em um autódromo - as vivas cores dos carros, cheiro da gasolina, som dos motores - faz parte, como faz parte, do grande espetáculo. Muitos não aceitam a Indycar, por exemplo, justamente pelo cheiro de álcool, considerando isso uma verdadeira violação à tradição da F1. Certamente não sabem que a F-1 chegou a usar álcool um dia...

E certamente desconhecem que os carros de 1,5 litros da F1 dos anos 60 tinham uma sonoridade bastante mais anêmica dos atuais.

Os tempos são outros. Quem não gosta de um simpático DKW? Parte da experiência decavezística incluía o semblante sorridente do carrinho, o cheiro de gasolina misturada com álcool, e o barulhento bu-pu-bu-bu do motor de 2 tempos que podia ser ouvido a um quarteirão de distância. Compare-o ao seu descendente direto, o Audi atual. Silenciosíssimo, civilizado ao extremo. Não é muito sorridente o Audi, quer ser levado a sério. Os tempos mudaram.

Sempre há os auto-denominados puristas. Certamente a Fórmula-E será esquisita, porém, quem sabe a nova geração de carros de Fórmula 1 me permita voltar às pistas sem arriscar perder mais alguns porcentos da querida audição que me resta. E certamente protegerá a audição de muitos outros seguidores e pessoas que trabalham no meio.

Desculpem por ser egoísta, mas esta é a minha realidade. Não muito agradável, convém salientar.

Por último, em um ano poucos vão lembrar deste assunto. Muito barulho por causa do barulho. Somente isso.

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