O ANO DO FENEMÊ
Como tenho sensibilidade e estou ciente que alguns dos leitores
são um pouco, alguns muito mais jovens do que eu, começo definindo o Fenemê.
Foi o primeiro caminhão brasileiro, produzido pela Fábrica
Nacional de Motores. Como muitos empreendimentos da Terra Brasilis, já nasceu
meio errado. Quando a FNM decidiu fabricar seus primeiros caminhões fechou
acordo com a Isotta Fraschini, uma fabricante italiana mais conhecida pelos
carros de luxo dos anos 1910. Como muitas empresas italianas a Isotta Fraschini
não saiu muito bem da Segunda Guerra, e quando os primeiros cinquenta caminhões
FNM (Isotta) brasileiros desfilaram orgulhosamente nas ruas do Rio de Janeiro, a IR já estava
devidamente falida. Sendo assim, foi necessário buscar um outro parceiro. O
escolhido foi a Alfa Romeo.
Muitos brasileiros, inclusive este que vos escreve, nutria
grande carinho pelos FNM. Eu os achava simpáticos, sorridentes e bonachões. Alguns
outros achavam os caminhões horríveis, problemáticos, trambolhentos,
barulhentos, fedorentos, enfim, o ó. O maior problema do FNM era a falta de
potência. Embora seus donos adorassem chamar o FNM de possante, essa não era
uma das suas qualidades. Resistente, sim. Com bom torque, sim. Ou seja,
carregava cargas pesadíssimas, saía da inércia com certa facilidade, mas tinha
suas restrições.
Quando pequeno, passei diversas férias em Santos. Adorava a
Via Anchieta, com suas sinuosidades e vistas maravilhosas. Uma cena me marcou
muito, na subida da Serra do Mar. Os Fenemês abarrotados de cargas, às vezes
com um trailer, marchando a uma velocidade que parecia ser 5 km por hora. Aí ficava
evidente o problema de falta de potência. O Fenemê subia a serra, mas tinha que
ter paciência. Muita paciência.
Por isso digo que este é o ano do Fenemê. Aninho dificil, cheio
de problemas de todos os tipos, para todos os países do mundo. O ano me parece
um Fenemê subindo a linda Serra do Mar com óbvias dificuldades. Nós devemos nos
portar como os otimistas motoristas dos Fenemês, e nos conscientizarmos que o
Fenemê vai chegar no topo da Serra, mas não adianta achar que vai ser rápido.
Sim, nossa paciência coletiva está sendo testada, e infelizmente
muitos não estão passando no teste, e querem viver suas vidas como viviam antes
da pandemia. E com isso, dificultam a vida daqueles que estão se comportando pacientemente.
Lembro-me de outra cena da Serra do Mar, esta terrivel.
Havia um trecho, que parecia ser uma saída, que nunca foi concluído. A mal
bloqueada semi-construída saída conduzia a uma queda de algumas centenas de
metros e óbvia morte.
Muitos estão levando seus Fenemês diretamente para esta
saída mortífera.
Siga a estrada certa, cuide-se, adapte-se, as coisas vão
voltar ao normal um dia, mas não se esconda por trás de falsos sentimentos de
coragem, arrojo, intrepidez, patriotismo, positivismo, otimismo, fé, ideologias,
desconfiança, amor ao trabalho para levar seu Fenemê para o abismo. A hora que
ele finalmente chegar no topo da Serra deslizará feliz na pista plana da Via
Anchieta da vida.
Para aqueles que acreditam, lembrem-se que a Bíblia diz que
o amor é paciente.
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