REVANCHE DOS LIVROS
Não se
trata de cuspir no prato onde comi. Na realidade, se não fosse a plataforma da
Internet é bem possível que nenhum dos meus milhares de textos sobre
automobilismo teriam sido lidos por qualquer pessoa. De fato, não teriam sequer sido escritos! Não sou nenhum Paulo Coelho, porém, em quase 15 anos, já foram
milhões de leituras. Querendo ou não meus poucos desafetos, fui um dos pioneiros do ramo em se
tratando de automobilismo brasileiro, pois quando comecei haviam uns três ou
quatro blogs que tratavam de história do automobilismo brasileiro. Hoje são muitas
dezenas, e se contarmos grupos do facebook, centenas.
Porém, foi
justamente a Internet que mudou
completamente a cobertura de automobilismo de competição no mundo, além do modo
como se consome o produto automobilismo. Aliás, mudou a mídia de modo geral. Veículos
que antes publicavam conteúdo noticioso passaram a ter que publicar reportagens
para sobreviver, sempre chocando, divertindo e amedrontando. Isso aconteceu com a Time e Newsweek, por exemplo, duas
revistas americanas que noticiavam os principais acontecimentos da semana, e
agora se limitam a publicar ensaios sobre inúmeros assuntos. Ou seja, a grande
maioria das revistas de automobilismo que sobraram no mundo simplesmente
fizeram o mesmo – deixaram de publicar resultados e reportagens sobre corridas, como a AutoWeek e Racer
americanas, existindo o pressuposto que estes estão disponíveis facilmente na
Internet. Sobram ainda a Autosport inglesa, a Autosprint italiana e Auto Hebdo francesa,
que publicam resultados, embora com cobertura cada vez mais limitada.
Quanto à
facilidade de obter resultados na Internet, o grande problema é seguir dezenas de séries ao mesmo tempo, como
gosto de fazer. Adorava receber a cada duas semanas a revista OnTrack, que
cobria dúzias de campeonatos americanos, europeus, asiáticos e por vezes até a
Stock-car brasileira, com resultados, entre uma unica capa e contracapa. Hoje é
necessário visitar dezenas de sites diferentes – ou então pagar uma assinatura na
Autosport inglesa para ter acesso ao Forix. Para um pesquisador, como eu, a coisa ficou meio sem
graça.
No caso do
Brasil, a coisa já mudou nos anos 80. As duas principais revistas brasileiras de
automobilismo de alcance nacional, a Quatro Rodas e Auto Esporte, começaram a
limitar os resultados já no meio da década. Era a década economicamente perdida,
e ambas as revistas passaram a se dedicar a outros temas para conseguir
sobreviver – no caso da QR, adicionaram náutica a automóveis, automobilismo e
turismo, no caso da AE, acrescentou turismo na sua pauta . Com isso, sobrou
cada vez menos espaço físico para publicar resultados, pois as revistas
continuaram do mesmo tamanho ou até mesmo diminuiram o número habitual de
páginas. Quando abriu a importação de veículos no Brasil, estas duas revistas
simplesmente passaram a cobrir as competições como mera nota de rodapé - nem sombra de resultados muito detalhados. Até 1992, as
duas revistas tinham pouca coisa a cobrir sobre o mercado automotivo doméstico,
afinal de contas, eram quase sempre os mesmos modelos de 4 ou 5 montadoras, com
lanternas diferentes e detalhezinhos, cobertos entra ano, sai ano. De repente,
surgiam novidades quase mensalmente. E o “interesse jornalístico” se escambou completamente
para o lado do mercado automotivo.
Surgiram
outras revistas especializadas, é verdade. Entre estas merecem menção a Grid e Racing.
A última sobreviveu aos trancos e barrancos até recentemente. Agora quem quiser
ler resultados de corridas tem que fazer uma ginástica internética nem sempre
bem sucedida – não vá às bancas de jornais, com certeza.
É um equívoco
achar que a Internet contém todas informações do mundo, de graça, como muita
gente parece pensar. Lembro-me que alguns anos atrás, uma pessoa tinha sido contratada
para escrever um livro-resenha sobre certa categoria brasileira, e me contatou insistentemente para
que eu lhe passasse todos resultados das corridas da categoria nos anos 90. O cara me cercou! Deve
ter achado que eu o estava sacaneando. Entretanto, eu tinha no máximo resultados de 5%
das corridas nesta década, que lhe passei. O sujeito deve ter ficado fulo
comigo, pois o prometido exemplar de cortesia do livro nunca chegou às minhas
mãos e nunca mais me contatou. É a vida, e nem sempre é bonita como queria o Gonzaguinha.
Em suma,
não só falta muita coisa na internet, sobre uma série de assuntos, como há
muita coisa errada. Por exemplo, outro dia alguém publicou num grupo de
Facebook uma foto de três Maseratis numa pista obviamente francesa. Todo mundo
coçando a cabeça, querendo advinhar onde era. Desvendei o mistério rapidamente.
Tratava-se de uma foto do GP de Pau de 1955. Ocorre que tenho um livro
maravilhoso sobre esta corrida, desde o seu princípio nos anos 30 até 1960, com todos
resultados. Para conferir, procurei na wikipedia. O fraco verbete sobre a
corrida indica que Jean Behra a ganhou em dois lugares no texto. No parágrafo
inicial, e depois no resultado. Só que primeiro disse que correu com Maserati
(correto, era um dos três carros na foto), depois diz que correu com Lancia,
duas linhas abaixo! Fiquei surpreso que ninguém “corrigiu” a minha
identificação baseando-se na sapiente e onisciente wikipedia que nunca falha...
Muitos
excelentes livros de automobilismo têm sido lançados nos últimos dez anos,
apesar da escassez cada vez maior de livrarias. Antigamente, essas biografias e
livros eram mais sucintos, e raramente continham resultados. Nos últimos anos,
pelo menos os livros europeus editados em diversos países, passaram a divulgar
listas completas de resultados referentes ao assunto do livro, seja um piloto, uma
corrida, pista, categoria ou marca. E tais informações, até o momento, são
achadas exclusivamente nesses livros – ninguém ainda as digitalizou.
Nos EUA a
situação é um pouco diferente. Os últimos dois livros que comprei por aqui
foram sobre a diversificada e longa carreira de Brian Redman (um dos meus
pilotos prediletos) e outro sobre a história do Chevrolet Corvette nas
competições. Não tenho dúvidas que uma seção de resultados foi proposta em ambos os casos –
porém, não apareceram no produto final, pois encareceria sobremaneira o tomo.
Porém, em
livros editados fora dos EUA consegui algumas pérolas raras, com extensas
seções de resultados. O livro sobre os Hans Stuck (pai e filho) contém uma
resenha completa sobre as longuíssimas carreiras dos dois. Outro livro em
alemão, sobre as 24 Horas de Nurburgring, contém uma seção de resultados completos
do clássico até o ano da edição. Biografias de Bob Wollek e Nino Vacarella
também listam todas as corridas dos dois pilotos, com detalhes. Comprei livros
sobre Rouen-les-Essarts e o Campeonato Europeu de Dois Litros que também
continham seções de resultados completas. Um surpreendente livro sobre a Mecânica Nacional
argentina contém os resultados de todas as corridas da categoria até 1940 –
sim, até nisso os argentinos nos superaram, pois os livros brasileiros de automobilismo deixam um pouco a desejar no quesito estatistico - que me desculpem os autores.
A última
joia foi um livro sobre a Matra. Custou caro, é verdade, 70 Euros. Porém,
contém os resultados de todas as participações da Matra em competições, seja na
F3 e F2, na F1 e Protótipos. Inclusive obscuras corridas na França, como
campeonatos de subida de montanha e de carros esporte. Ainda por cima, as fotos n ão são manjadas - tem muito material especial e inédito..
Quem sabe
alguém estrague a festa e publique esses resultados na Internet, julgando ser um bom cidadão cibernético. Seria um
grande desrespeito aos autores desses livros,
que devem ter gasto centenas de horas compilando brilhantemente os resultados
de diversas fontes, algumas certamente obscuras.
Mas podem
crer, os livros estão indo à revanche. Até segunda ordem.
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