…E O PALANQUE RUIU
O ano era
1970, disso tenho certeza. O mês, nem tanto, mas provavelmente era julho, eu
devia estar de férias. O local, sabe-se lá. Indubitavelmente era a periferia de
São Paulo, só não posso dizer se era norte, sul, leste ou oeste. Só sei que não
era no centro, bolas.
Naquele
ano, meu pai trabalhou durante um tempinho na prefeitura de São Paulo. Sua
função era visitar a periferia da cidade, e promover as inaugurações de obras,
desde humildes instalações de iluminação pública com lâmpadas de mercúrio, a
grande onda da época, asfaltamento de ruas até obras viárias mais sofisticadas.
O prefeito na época era Paulo Maluf.
Foi assim
que conheci uma boa parte da grande São Paulo, viajando em Kombis verde-claras com faixas laranja da prefeitura. Ah, os carros, sempre os carros. Gostava dos
passeios, era um universo diferente para quem morava no centro. Espaço havia
suficiente nas peruas, e tenho algumas lembranças marcantes das expedições. Se
você acha a periferia precária hoje em dia, imagine em 1970! Numa das tais
viagens fomos ao Vale do Aricanduva, que para a imaginação de uma criança,
parecia a floresta Amazônica.
Exageros pueris.
Alguns anos mais tarde me embrenhei na floresta Amazônica, quer dizer, em
alguns igarapés próximos de Manaus, e em comparação, Aricanduva parecia Nova
York.
Já que
estamos falando em Nova York, o ano era 1982 ou 1983. Anos finais do regime
militar, vez por outra realizavam-se eventos suntuosos no hotel Plaza em Nova
York, com o presidente Figueiredo, ministros, peruas (não Kombis), celebridades. Num
deles, a alguns metros de Delfim Netto e bastante entendiado, tive a ousadia de
pedir um beijo à Xuxa, que estava atrás de mim e acompanhava o Pelé, na época
seu namorado. Ela, no esplendor dos seus 2 metros de altura e 18 anos de idade,
me deu um beijinho burocrático, meia-boca, que fique bastante claro. E o Pelé não ficou
bravo comigo, sempre que me via, me tratava bem... Óbvio que nem lembrava quem
eu era, Pelé era simpático com todos, o tempo todo.
Entre
outros habitués da cidade estava Paulo Maluf. Um amigo meu, veterano da Grande
Maçã, curtia o status de recém falido mas não se deixava abater. Era um
empreendedor, otinista e visionário, e tinha convicção de que as coisas iam melhorar.
Acabou morrendo antes do “turn-around”, mas isso não vem ao caso. Entre seus
contatos havia dois soturnos irmãos libaneses que diziam ter acesso a bilhões
de dólares para emprestar ao governo de São Paulo, a juros baixíssimos, porém
não explicitados. Cabe notar que era a época da moratória da dívida externa, e
o acesso do Brasil a festança do dinheiro internacional terminara.
A única
evidência que vi da oferta bilionária foi um singelo telex. Sim, era a época do
telex. Nada de fax, nada de email, nada de torpedo, nada de Whatsapp. Telex. Um
sucinto telex. Sucinto até demais.
Na época Maluf
era governador de São Paulo. Este mesmo amigo dos bilhões conseguiu um vistoso
material de uma estatal constituída em São Paulo, a Paulipetro, formada para
procurar petróleo no estado. Não na costa, mas em terra firme. O material
impressionava, parecia bastante profissional, detalhado, detalhado até demais.
De certa forma, similar ao telex dos bilhões de dólares libaneses, no
polo oposto.
Meu amigo
estava falido, mas sabia fazer as coisas. Andava com ele para cima e para
baixo, me ensinou mais do que quatro anos de faculdades. Eu aparecia como seu “assessor”,
jovem saído da Universidade, amigo de celebridades(!!!), me divertia com tudo
aquilo. E um dia, fomos nós ao hotel Helmsley Palace, do lado da Catedral de
St. Patrick, onde estava hospedado Maluf. Fui incumbido de chamar o quarto do
governador, no house phone, e tentar agendar uma reunião para discutir os
bilhões.
Incrivelmente,
foi o próprio Maluf quem atendeu o telefone, e foi muito cordial, certamente
foi mais simpático do que um outro Paulo, o Francis, que me maltratou sem justa
causa uns dois anos depois. Deixa o defunto PF para lá, hoje é dia do vivo PM.
Tentei marcar a tal reunião de Maluf com o meu amigo, citando os tais bilhões. Juro
que a memória me trai, não me lembro se houve ou não tão reunião, não fui
convidado e meu amigo continuou tão falido quanto antes. Foi meu segundo e último
contato com Maluf.
Vamos ao
primeiro contato, de volta para 1970. Periferia de São Paulo, longe do glamour da
Quinta Avenida. Fazia calor. Montaram um palanque, com teto e tudo, e Maluf inauguraria
algo naquele dia, acho que era o asfaltamento de uma grande avenida. Eu e meu
irmão, todo gabolas com meu pai em cima do palanque, com o prefeito e diversos Dragões
da Independência. Acho que eramos as únicas crianças numa imensidão de adultos puxa-sacos,
cabos eleitorais, políticos e assessores. Nosso pai do lado, com seu típico
semblante bravo . Eu devia estar a um metro do prefeito. De repente um ruído
estrondoso, uma grande confusão. O palco, comigo, meu irmão, meu pai, a
multidão e os empertigados Dragões e Maluf, simplesmente ruiu com o peso
excessivo dos puxa-sacos. Impassivo, no meio do discurso, meio de lado, Maluf, com um sorriso amarelo e sotaque forte, finalizou ao microfone “...e
o palco ruiu.”
2017. Ou
seja, quarenta e sete anos depois, o palco ruiu outra vez para Maluf.
Figurativamente, mas parece que desta vez ruiu de vez. Os puxa-sacos devem estar a milhares de quilometros de distância a
esta altura.
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