História ou Estória – divagações sobre automobilismo, mídia, Idade Média, leis e símbolos
Na minha
última visita a Paris fiquei super animado quando descobri que a revista
Auto-Hebdo tinha lançado uma edição especial sobre todos os pilotos franceses
que já disputaram a F1. Não que eu não tenha essa informação em outras fontes
na minha biblioteca ou on-line. Admito que sou rato de bancas, gosto mesmo é da
informação e fotos no papel, do cheiro da tinta. Não desmereço dos bits e mais bits,
porém, para mim, não tem comparação entre folhear uma revista ou livro com
clicar em intermináveis links sem cheiro e sem forma física.
Achei que
localizar a tal revista seria fácil. Ledo engano. Durante uns 5 dias, busquei a
revista como louco em dezenas de bancas. Tinham a Auto Hebdo, mas nada da
edição especial. Para alguns jornaleiros mais inspirados até mostrei o anúncio
de tal edição na própria revista. Olhavam para minha cara como se eu fosse um doido.
Finalmente,
achei a dita cuja numa banca próxima da École Militaire, isso logo após ter
comido uma monumental salada de lentilhas, num típico café que amo, mas cujo
nome nunca lembro. Estava realizado, feliz da vida.
A revista
tinha o formato de um capacete de corredor, algo já inédito. Dentro dela,
biografias completas dos 73 franceses que correram na F1 de 1950 até o mais
recente, Esteban Ocon. Elencava inclusive o Da Silva Ramos, que os franceses
consideram francês (ele tem as duas nacionalidades, na verdade). Já comecei a
me deliciar com a revista enquanto minha esposa provava algumas roupas numa
loja, sequer esperei chegar no hotel. E logo comecei a observar uma coisa
estranha.
Cabe aqui
um parenteses. Já disse isso antes, e digo de novo: não sou apologista de
cigarros. Pelo contrário, sei que foram eles que levaram minha mãe antes de
hora, minha amiga de infância Tânia, e diversas outras pessoas queridas. Nunca
fumei, nunca tive vontade de fumar, e não tenho fazenda de tabaco nem ações da
Philip Morris. Portanto, não estou aqui para defender o setor, mas sim a
história.
A revista
tinha lindas fotos, não só dos pilotos, como de carros. O curioso nas fotos era
a completa ausência dos nomes Marlboro, Gitanes, Camel, Gauloise, John Player
Special, etc, etc, nas carrocerias e macacões, marcas que patrocinaram dezenas de
pilotos franceses justamente na época que inundavam a F1. Os nomes das marcas foram sumariamente
fotoshopados do registro fotográfico, e supostamente, histórico.
No começo
deste ano, os pacotes de cigarros na França deixaram inclusive de mostrar a
marca, logotipos, etc. São pacotes genéricos, só contêm o nome em letras
pequenas, e todos parecem iguais.
Louvável que queiram acabar com os cigarros,
embora ainda haja milhões de franceses de todas as idades que abraçam o hábito
com grande entusiasmo. As próprias multinacionais tabagistas tiveram que sair
da F1 por proibição da Comunidade Europeia. Acho tudo isso muito bonito, mas também
uma grande hipocrisia.
Metade da
população da Turquia fuma, e na Indonésia, crianças começam a fumar com uns 5
anos. Hoje as grandes empresas do ramo procuram aumentar suas vendas nos pobres
países africanos, onde comer ainda é uma abstração, assim como no promissor
mercado da China (uma segunda Guerra do Ópio?), para combater o voraz ataque
dos governos ocidentais contra seu insalubre produto. Mas será que é ataque
mesmo? Pois o cigarro é o produto relativamente mais tributado do mundo, no
mundo inteiro, e os governos ganham bilhões e bilhões em cima dos viciados e
usuários – pois são eles que pagam o pato, não os fabricantes.
Como sou um
sujeito bastante chato, olhei foto por foto da revista, até encontrar alguma
ilustração que não tenha sido vítima do cruel Photoshop. E reproduzo a foto do
carro aqui, uma Ligier com visíveis menções do patrocinadora Gitanes no
aerofólio dianteiro (também há uma foto de um piloto com o nome de uma marca de
cigarro visível e uma foto do Lotus do Jarier em que aparece John Player
Special na lateral, porém, difícil de ver). Faço isso como uma forma de
protesto, pois a história é a história. Queiram ou não, foram as empresas de
cigarro que pagaram bilhões de dólares na fase de crescimento da F1, muita
gente ficou rica com esses dólares. A proibição do patrocínio nos carros atuais
é inteligível, fotoshopar as fotos
antigas é um estupro contra a história.
Passemos então a uma
curiosidade. Um dos assuntos que mais me fascina atualmente é a história
medieval. Tenho lido diversos livros sobre o assunto, passando da peste negra, à
Ordem dos Templários, Cruzadas, Guerra dos Cem Anos, arte, etc. etc.. Fiquei
maravilhado quando descobri que há um museu da Idade Média em Paris, e enquanto
não o visitei não sosseguei. Coitada da minha esposa...
Um dos salões continha artigos
fúnebres, inclusive muitas lápides. Uma dessas era uma pedra bem grande, com um
desenho de um homem. Era a lápide de um importante rei, cujo nome não me
recordo. A roupa do tal rei era bastante decorada, com um símbolo famoso...Sim,
a roupa do rei na tal lápide estava cheia de suásticas!
Para aqueles que mais sofreram
com o nazismo, a suástica tem um significado horrível. Entretanto, o símbolo
não foi “criado” pelos nazistas, e sim usurpado; na realidade, é usado em
diversas culturas, inclusive nos meios esotéricos. Para os franceses, cujo país
esteve ocupado por Hitler durante grande parte da Segunda Guerra, a suástica
também tem um peso, e certamente deve ofender um ou outro visitante gálico.
Agora, o fato histórico é que
o símbolo estava na tal roupa do rei, na tal lápide, muito antes de Hitler e
seus comparsas adotarem o símbolo como identificação visual da sua louca
filosofia. Nenhum curador do museu resolveu retirar a potencialmente ofensiva peça
da exposição, embora, imagino, tenham recebido inúmeras reclamações de pessoas
mais exaltadas. Tirar a peça dali seria também um estupro contra a história.
Taí. Entre um estupro e outro,
assim a história vai virando estória.
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